Poucos assuntos podem receber de forma mais justa o rótulo de “tema da moda” como a responsabilidade social e ambiental. O “agir de maneira sustentável”, “ser responsável social e ambientalmente”, “dar retorno à comunidade”, viraram chavões usados, às vezes, quase em par de igualdade com os já conhecidos “lucratividade”, “economia de escalas” “relação custo-benefício”, etc. O fato de ser responsável socialmente e/ou ambientalmente representa mais um aspecto corporativo a ser considerado nas avaliações do mercado. Programas de padronização semelhantes ao da qualidade são direcionados para o aspecto social (SA8000; ISO14000). O índice Dow Jones, por exemplo, recebeu em 1999 uma versão ancorada no conceito de sustentabilidade, que leva em conta as ações de responsabilidade social e ambiental das empresas.
Mas, convenhamos, essa conversa de elevar a responsabilidade corporativa ao mesmo nível de importância da lucratividade de fato procede e tem raízes genuínas? No âmbito do comportamento dos indivíduos em sociedade sabemos que, frequentemente, tentamos gerir a nossa imagem frente aos nossos interlocutores. Este é, aliás, um importante tópico na literatura organizacional: a gestão de impressões. Então, se sabemos que as empresas são PESSOAs, ainda que jurídicas, é natural que elas também tentem gerir da melhor forma a sua imagem. Brincadeiras à parte, não se trata de puro altruísmo.
Com a crescente visibilidade das empresas (devido à evolução das tecnologias da informação e da comunicação), estas buscam, cada vez mais, associar sua imagem a coisas valorizadas socialmente. A responsabilidade corporativa é, por acaso, uma dessas coisas.
Resolvi abordar o tema depois que li um livro chamado A Corporação, de Joel Bakan. Já havia, anteriormente, assistido ao documentário com base nesse livro. Não me alongarei muito na descrição do problema que este autor nos traz. Segundo ele, as empresas (e o foco dele é especificamente a corporação – empresa de capital aberto) são legalmente impedidas de ser responsáveis social ou ambientalmente. Milton Friedman, aquele do nobel da economia, vai além e diz que isso é, além de ilegal, moralmente incorreto.
Por que legalmente e moralmente? Aqui nossa visão depende do que chamamos de responsabilidade e do que consideramos ser a função social das empresas. Neste texto, considero responsabilidade social ou ambiental aquilo que vai além das obrigações legais da empresa (aquilo que vai além, por exemplo, dos termos de ajustamento de conduta ambiental). Projetos de educação para a saúde, ou investimento em cooperativas constituem ações de responsabilidade social (a responsabilidade social tem ainda uma dimensão interna da qual não trataremos diretamente, embora reconheçamos como importante). Projetos de revitalização de rios, preservação de áreas ambientais ou de espécies, que recebem apoio espontâneo da organização são ações de responsabilidade ambiental.
Então vamos por partes. A finalidade das corporações é, em última instância, maximizar os lucros de seus acionistas. A lei (falo do contexto anglo-saxôico em que o livro se baseia) surge porque, no passado, os acionistas não tinham muitos meios de proteger o retorno de seus investimentos. Muitos foram os casos nos séculos XVII e XVIII de investidores que perderam o dinheiro investido em corporações. As corporações chegaram a ser proibidas em função desses casos. Posteriormente os investidores tiveram garantia por lei de que a finalidade da empresa é, em última instância, a maximização de seus lucros. Programas de responsabilidade social ou ambiental não são a atividade-fim da empresa e constituem, até que se prove o contrário, despesas. Daí a ilegalidade afirmada acima.
A idéia de que a responsabilidade social ou ambiental é moralmente repreensível tem a ver com a perspectiva do liberal prêmio nobel, que acredita que uma empresa é responsável socialmente quando está realizando sua função: gerando lucros para seus proprietários. É a velha crença da mão invisível do mercado. Como referi acima, é a questão da perspectiva sobre as funções sociais das empresas.
Bom, neste sentido, programas de responsabilidade social ou ambiental só poderiam ser legalmente ou moralmente corretos se interpretados como meios estratégicos para alcançar os resultados comerciais para que a corporação foi formada.
Ou seja, aqui deveríamos exercitar um pouco de cinismo ao justificar, o que considero, boas-ações. Na impossibilidade de justificar os programas como fins em si mesmos, devemos então procurar outras alternativas.
Há algumas formas de mostrar que programas como esses geram resultados para a atividade fim da empresa. A forma mais óbvia é de demonstrar que a associação de marcas ou produtos a valores “em alta” na sociedade ajuda a promover a marca, a promover o que no marketing se denomina (brand equity – medida em que uma marca é associada a valores positivos). Isso resultará, amiúde, em mais vendas, mais dinheiro, mais lucro.
Assumamos então que os programas de responsabilidade social e ambiental constituem, nos dias de hoje, ferramentas fundamentais na construção da imagem corporativa. Isso é, pra mim, uma premissa fortemente alicerçada sobre evidências.
Uma outra forma diz respeito precisamente ao que sociólogos e psicólogos do trabalho têm estudado há muito tempo: a imagem da empresa tem impacto sobre as atitudes e comportamento individuais e grupais daqueles que nela trabalham. Isso é dizer, que, enquanto a justificativa anterior fala do efeito da imagem da empresa ou da marca no mercado (fora da empresa), esta diz respeito ao efeito da imagem nos trabalhadores (dentro da empresa). Justifico então.
Não gostamos de fazer parte de grupos sociais mal-vistos. Imaginamos que, por exemplo, nossa famílias representam os valores mais bonitos como a integridade, a honestidade, a bondade, etc. Identificamo-nos com os valores que os grupos sociais a que pertencemos defendem. Inversamente, somos atraídos para grupos que defendem os valores que defendemos. Gostamos de estar associados a bons grupos. Você nunca observou que quando seu time vence, é comum dizermos “ganhamos ontem”? Por outro lado, quando o time perde dizemos “perderam ontem”, e, dessa forma, nos desassociamos daquele resultado desprezível, da suposta falta de brio de nossa equipe. Isso é engraçado, ao mesmo tempo em que é comum.
Aqui vai então o primeiro fato: as pessoas, em geral, procuram trabalhar em empresas que são valorizadas socialmente e que elas próprias valorizam. Neste sentido, uma empresa com uma boa imagem tem a capacidade de atrair os melhores profissionais. Isso porque mais gente estará interessada em trabalhar para a mesma, o que dá uma boa margem para selecionar os melhores. A correlação é clara. Basta olharmos quais as empresas que estão na lista das favoritas dos universitários brasileiros e ver para quantos programas sociais e ambientais elas destinam recursos.
A velha teoria da dissonância cognitiva pode explicar parte do fenômeno: não suportamos trabalhar para quem tem outros valores e que, consequentemente, nos faz agir segundo esses valores. Somos sensíveis a tal discrepância e, caso não tenho outra alternativa, ficarei insatisfeito, agirei de alguma forma para mudar a situação, e reequilibrar-me “cognitivamente”. Se valorizo a natureza, será difícil, ou pelo menos incômodo, trabalhar para uma empresa que, através de suas ações, demonstra pouco interesse pela defesa do meio-ambiente.
Mas não é só a atração de talentos. Reter talentos é um outro desafio do mundo do trabalho contemporâneo. Os profissionais (não quero dizer a totalidade deles) cada vez mais centram-se sobre suas carreiras, usando organizações de forma instrumental para a consecução de seu objetivos profissionais. Enquanto os empregados que as empresas não querem reter – e terceirizam suas atividades – desejam manter uma relação duradoura com a mesma jurando lealdade, os profissionais que as empresas desejam manter estão, por vezes, interessados numa relação mais independente. Esse é o paradoxo que muitas empresas enfrentam hoje.
A imagem corporativa, seu prestígio externo, entra como fator importante também na retenção de talentos. Temos a necessidade de auto-estima, de sentirmo-nos bem com o que fazemos. Nada melhor que ter orgulho de dizer: “eu trabalho para a empresa TAL”. “NÓS (observe a lógica da identificação) defendemos o meio-ambiente, NÓS contribuimos para o desenvolvimento do país, etc.” Isto soa bem mais à satisfação que quando usamos a terceira pessoa.
Para não tornar a coisa enfadonha mas, ao mesmo tempo, dar exemplos concretos de evidências, recorro a apenas dois estudos recentes (dentre os inúmeros existentes) sobre a relação entre imagem organizacional e comprometimento/ identificação com a organização.
Bartels, De Jong e Joustra (2007) aplicaram questionários a 314 integrantes da força policial de seu país. Os questionários tinham escalas de medida da percepção que os mesmos tinham do prestígio da corporação e escalas que mediam o grau de identificação com a mesma. A correlação encontrada entre prestígio percebido e identificação organizacional foi de 0.55, considerada alta para os padrões das ciências sociais. Técnicas estatísticas ainda mais robustas confirmaram a hipótese relacional. Fuller e seus colegas (2006) investigaram o setor da saúde e encontraram resultados bastante semelhantes. Enfim, quanto melhor percebemos a imagem de nossa organização, mais nos identificamos com ela, mais nos comprometemos com ela.
O comprometimento é também, em parte, resultado da imagem organizacional e, tal como a identificação, está negativamente relacionado com turnover e absenteísmo. Ou seja, empregados comprometidos e identificados com sua empresa, faltam menos ao trabalho e desejam manter-se empregados na mesma. Ademais, está amplamente demonstrado que empregados comprometidos e identificados produzem melhor, estão mais satisfeitos com o trabalho, engajam-se em comportamentos de cidadania organizacional e uma infinidade de aspectos positivos.
Estes são os caminhos que, acredito, levam a adoção de programas de responsabilidade social e ambiental a resultados empresariais favoráveis, a lucros, enfim, àquilo que ajuda as empresas a cumrpir seu objetivo comercial. Na aparente ineficácia de um argumento moral em favor da responsabilidade corporativa, vale exercitar um pouco de cinismo para justificar de maneira apenas instrumental o que deveria ter seu valor reconhecido em si mesmo.
# O livro "A corporação" é facil de encontrar e o documentário está disponível no youtube, inclusive com a versão legendada. Aí vai o link da primeira parte.
http://www.youtube.com/watch?v=hj-5iFrVczQ
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