segunda-feira, 23 de março de 2009

Imagem do Executivo

Acabo de ler um artigo publicado no número mais recente da revista Psicologia: Organizações e Trabalho (rPOT). Aliás, a revista é, inegavelmente, um empreendimento de grande valor para os psicólogos e profissionais relacionados com a gestão de pessoas no Brasil. Vale a pena visitar o site cujo link aparecerá ao final do texto.

O referido artigo tocou-me um pouco mais do que os outros. Não por achar sua qualidade superior à dos demais, mas por abordar um ponto de especial interesse para mim e, acredito, muitos outros.

Os autores do estudo (Nascimento, Roazzi, Castellan e Rabelo) discutem questões relacionadas à imagem do executivo nos dias de hoje, e investigam um público bastante adequado para o efeito: estudantes de administração. Ou seja, potenciais executivos de amanhã.

No início do artigo eles descrevem a forma como o mundo contemporâneo atual, sobre o pano de fundo da globalização e da intensificação da competitividade, produz um repertório específico e limitado de significados, valores e comportamentos que delimita as formas com que o “ser executivo” pode se apresentar.

Eles descrevem vários estudos que, de uma forma geral, ilustram uma visão do executivo como alguém voltado pra tarefa e aos aspectos técnicos e objetivos da mesma em detrimento aos aspectos relacionais ou interpessoais do trabalho. Isso torna-se particularmente grave quando, mais à frente, constata-se que uma das visões mais comuns acerca do executivo é a de que sua função é realizar trabalhos por intermédio de outras pessoas. Ou seja, uma de suas principais funções é liderar.

Os autores do artigo ainda descrevem como o mundo corporativo e a media relacionada “prescreve” uma receita bastante limitada do que vem a ser um executivo. Uma análise aprofundada em outro estudo referido pelos autores mostra como revistas voltadas para os negócios (e.g. Você S.A.) veiculam não apenas que características são desejáveis nos executivos (e.g. formação acadêmica, atualização de conhecimentos, fluência em idiomas, etc.) ilustrando-as em matérias ou anúncios, mas também formas específicas de como devem se vestir e se comportar (e.g. discrição e seriedade).

Chamam a esse processo “objetificação do profissional executivo”, cuja essência constitui a retirada da individualdade do sujeito para produzir uma imagem que reflete única e exclusivamente as necessidades das empresas. Este processo está bem descrito na seguinte passagem do artigo:

“A difusão sistemática dessa imagem através de vários mecanismos discursivos pressiona-o para uma uniformização e padronização em resposta à demanda ideológica dominante no mundo organizacional para compor o perfil desse executivo bem sucedido, que impacta diretamente na corporeidade do indivíduo, tornando árduo o caminho daqueles que não se sentem enquadrados no padrão” (p. 100).

Para verificar empiricamente esse processo os autores propuseram uma pesquisa com potenciais executivos: estudantes de administração em diferentes momentos da formação (iniciantes, intermediários e concluintes). O “mote” do questionário era a seguinte pergunta: “Quais as características que um executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional?”

O pressuposto contido na pergunta é o de que, à medida que os estudantes caminham para o mundo de trabalho (aumentando seu contato com consultores, com a media especializada, com intituições de trabalho, etc.), a imagem do executivo veiculada no mundo dos negócios será incorporada e tornar-se-á mais evidente em seus discursos.

O resultado do estudo é um tanto alarmante. As respostas foram categorizadas e a frequência com que cada categoria semântica emergia foi comparada tendo como referência os três grupos de estudantes (iniciantes, intermediários e concluintes).

Os estudantes iniciantes e intermediários referiram-se, com maior frequência que os concluintes, a características necessárias aos executivos categorizadas como Sociabilidade, que incluiam respostas como “espontaneidade”, “capacidade para cativar as pessoas”, etc.

Os iniciantes apresentaram ainda diferenças estatisticamente significativas em relação aos outros dois grupos no que diz respeito a frequência de respostas incluídas em duas outras categorias:

Relacionamento (que inclui respostas como “saber relacionar-se em grupos”, “manter relações sociais”) e
Ética (que inclui respostas como “ter postura ética”).

Em outras palavras, à medida que os estudantes caminham para o mercado de trabalho, a imagem que se tem do executivo sofre alterações no sentido de um privilégio aos aspectos técnicos em detrimento às características relacionadas com a sociabilidade, com o relacionamento interpessoal e até mesmo com os valores éticos.

Não está claro se essas características tornam-se completamente desnecessárias ou apenas ganham um plano secundário no alcance do sucesso da carreira executiva. Não se sabe tampouco se a própria formação do profissional apenas permite essa mudança ou mesmo reforça-a em conjunto com os estímulos mais óbvios do próprio mercado de trabalho, que passa a influenciar mais fortemente o estudante a caminho de sua graduação.

Enfim, o estudo retrata uma situação séria e produz uma série de questões que podem inspirar muitos outros estudos para eclarecer ainda mais a natureza desse processo. E se confirmarmos que de fato ele ocorre tal como foi descrito acredito que o tema mereceria uma atenção bem maior do que aquela que lhe foi dispensada até então.

Link para a rPOT
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/index

Um outro link interessante é para outro texto, a este relacionado.

http://www.baraodemaua.br/revista/v1n1/construcao_imagem.html

Nenhum comentário: