O downsizing, redução significativa do número de funcionários de uma empresa, tem sido uma prática administraiva amplamente aplicada nas organizações durante as últimas décadas. Não obstante, a redução de quadros tem resultado em muita polêmica, dado o seu significativo impacto não apenas sobre as empresas, mas sobre os trabalhadores e a sociedade como um todo. A despeito de seus resultados controversos e das críticas decorrentes de sua implementação massiva e irracional (que por vezes deitaram abaixo suas supostas vantagens), o downsizing segue, ainda hoje, como alternativa aos mais diversos problemas enfrentados pelas mesmas.
É fato que as empresas precisam enfrentar a competição. Para isso precisam gerar resultados, lucro. Em situações de enfrentamento de crise, a empresa, como um organismo vivo, precisa fazer ajustes e adaptar-se às constantes mudanças no ambiente. Em algumas situações, reduzir o número de empregados é inevitável. Imagine que a crise do mercado “pegou” a empresa absolutamente despreparada. Nesta situação, o leque de alternativas de enfrentamento se reduz consideravelmente e demitir não é opção, mas um pré-requisito para a sobrevivência da empresa a curto prazo. Neste sentido a redução de quadros é imposta pelas condições de maneira brusca, ou seja, é feita de maneira puramente reativa.
Uma outra forma de redução do quadro de funcionários é mais ativa, logo, planejada. Chamem de reestruturação, re-engenharia, lean production (produção “enxuta” na ausência de melhor tradução), ou qualquer outra coisa. O fato é que nestes casos a redução do efetivo está implicada e fundamentada numa mudança planejada, a qual deverá mexer com toda a estrutura organizacional, de maneira a enfrentar as mudanças ambientais a médio ou longo prazo.
Nestes casos não falamos apenas de uma mudança quantitativa (como no caso do downsizing reativo, ad hoc), mas qualitativa uma vez que os desligamentos são parte da estratégia da mudança organizacional. Essas mudanças, em geral, respondem à idéia, amplamente aceita, de como uma empresa deve ser: enxuta. Se está nascendo agora deve permanecer magrinha, se já estava com sobrepeso (caso de muitas empresas aéreas no mundo nas décadas de 80 e 90), deve perder uns quilinhos.
Por trás disso há uma concepção de controle, endossada por, entre outros, Bill Gates, segundo a qual é necessário enfatizar o negócio nuclear da empresa, terceirizar os serviços periféricos, etc. Neste sentido, a eficiência organizacional passou a estar associada à simplicidade estrutural, quadros enxutos e altamente qualificados, diminuição de níveis hierárquicos, etc. A saúde organizacional, análoga à humana, passa a estar relacionada à boa forma, à “magreza”.
Ao adotar a visão de eficiência relacionada com simplicidade estrutural e pequenas dimensões, é natural que vejamos o downsizing como um importante passo à “boa forma física” empresarial. Porém, a relação entre downsizing e lean production é bem mais complicada, muito embora inicialmente o downsizing tenha sido visto como uma etapa fundamental do percurso em direção à mesma. Na prática, a redução de quadros está implicada na adoção dos princípios de lean production (ou de re-engenharia, ou o que quer que seja), uma vez que, via de regra, as organizações optam por efetuar reduções quantitativas nos custos com pessoal e não mudanças qualitativas em seus processos de gestão. Portanto, é fato que a demissão em massa nem sempre está inserida num quadro de mudança planejada, fundamentada numa nova lógica de gestão, mas num quadro de reação a pressões do ambiente com vistas a resultados a curto prazo. Além disso, como presenciamos hoje na economia em crise, a demissão oportunista também é fato.
Para seguir com a metáfora da boa forma física diríamos que as empresas, na maior parte das vezes, nem sempre optam por uma dieta com planejamento nutricional adequado, mudança de hábitos alimentares e exercícios físicos, mas simplesmente em abdicar de comer, na esperança de que mesmo assim conseguiriam manter seu pleno funcionamento físico. À promessa de uma organização “em forma”, segue-se, amiúde, uma espécie de anorexia organizacional, minando o status de panacéia eficaz inicialmente conferido ao downsizing.
As demissões têm impacto tremendo sobre os empregados. Isso parece bem óbvio. Quando elas ocorrem em grandes dimensões afetam não apenas um ou outro funcionário que perdeu seu emprego, mas suas famílias, a comunidade e a economia em geral. E mais: elas afetam consideravelmente a própria organização e, de maneira bem particular, aqueles que “sobreviveram” à “triagem” (teoricamente saíram ilesos). Há muita literatura e pesquisa sobre a chamada “síndrome dos sobreviventes”. Por ora, vale salientar apenas que, independentemente de como o processo é conduzido, os empregados que permanecem não são as mesmas pessoas de antes: elas mudam. De modo semelhante, não podemos dizer que a organização é a mesma. A fórmula "Empresa hoje = Empresa Ontem - Empregdos Demitidos" não condiz com a realidade. Considerar o fator humano é condição essencial para identificarmos de maneira mais abrangente os impactos do downsizing.
Para não alongar muito este texto, pretendo em breve falar um pouco mais sobre o impacto das demissões sobre aqueles empregados que permanecem na empresa e discutir um pouco, à luz do que a psicologia tem investigado, sobre as formas de conduzir de maneira mais eficaz esse tipo de mudança. Abordarei também alternativas como recolocação e a importância da comunicação e da liderança neste processo.
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21/3/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Anônimo
Borba, excelente texto. Confesso que não tinha pensado nas pessoas que ficam na empresa (o impacto das demissões). Acho que a tendência é pensar nos empregados que saem, nas consequências psicológicas e tal (vide estudos de Jahoda, se não me engano). Também não tinha pensado no oportunismo empresarial para demitir, aproveitando a "crise" em voga. Bom, estou curioso para ler a continuação. Abrçs, FdC.
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Plataforma de discussão da psicologia organizacional e do trabalho abordando tanto as questões da prática profissional como da investigação científica na área.
segunda-feira, 23 de março de 2009
Comprometimento e Futebol
No livro “A Dança dos Deuses”, Hilário Franco Júnior nos mostra, através de uma infinidade de informações, como, principalmente no decorrer do século XX, o futebol e a sociedade estiveram entrelaçados e como se influenciaram mutuamente.
Dito isto, assumimos que muitos dos problemas enfrentados no futebol são análogos àqueles enfrentados no mundo do trabalho. E vice-versa. Em relação ao contexto do trabalho, as semelhanças entre futebol e sociedade acentuaram-se cada vez mais na proporção em que o futebol foi se profissionalizando. O recente episódio da tentativa de compra de Kaká pelo Manchester City ao AC Milan pode ser tomado como exemplo disso.
Kaká é jogador do AC Milan há mais de cinco anos, algo raro no futebol atual. Kaká mostrava-se satisfeito com seu clube e não escondia que seus objetivos de carreira tinham o Milan como único horizonte. Ele também já havia dito que pretendia assumir o cargo de capitão do time e “envelhecer” no clube que o projetou para o estrelato no futebol. Ademais, Kaká também deixou transparecer, em várias oportunidades, o desejo de seguir no clube como dirigente quando pendurar as chuteiras.
Tudo isso seguia tranquilo e inquestionável até algumas semanas atrás, quando o Manchester City ofereceu uma soma astronômica pelo passe do jogador. Uma valor quase irreal, mesmo sem considerar a atual crise econômica ou lembrar o caráter suspeito da fonte do prometido dinheiro (o que não vem ao caso). O Milan mostrou-se interessado enquanto Kaká esteve relutante. Depois de um certo imbróglio, um certo vai ou fica, a decisão: Kaká fica. Porque o Milan quer e, sobretudo, porque Kaká quer.
Esse evento me fez lembrar o tema do comprometimento com a organização, um vasto campo de pesquisa na Psicologia do Trabalho e das Organizações. É inevitável que a explicação a seguir simplifique em excesso o conceito: Meyer e Allen, são dois autores canadenses que defendem um modelo multidimensional do comprometimento, que congrega as contribuições de vários outros autores anteriores. De acordo com o modelo , há três dimensões ou bases do comprometimento: afetiva (permanece na empresa porque quer), calculativa ou de continuidade (permanece porque precisa) e normativa (permanece porque sente que deve). As diferentes bases ensejam diferentes disposições comportamentais, embora tenham em comum uma relação negativa com o turnover.
Uma das premissas do modelo é que as bases do comprometimento estão presentes ao mesmo tempo com intensidades diferentes. Um jogador, por exemplo, pode permanecer em um clube pelo "amor à camisa" (C. Afetivo), por não ter alternativas ou não querer perder aquilo que conquistou com tanto tempo de trabalho no clube – ex.: chegou a capitão – (C. Calculativo) ou ainda por nutrir um sentimento de obrigação moral para com o clube que o treinou desde criança e investiu forte em seu desenvolvimento profissional (C. Normativo).
Tudo isso pode estar presente em diferentes medidas. Este é o modelo conceitual mais aceito hoje. Entretanto, sugiro, para quem se interesse, a leitura da mais recente – e talvez mais bem fundamentada – crítica a esse modelo, presente no artigo de Solinger, Olffen & Roe (2008).
Além das diferentes bases do comprometimento uma das grandes questões é aquela referente aos seus múltiplos focos. Nós, assim como os jogadores de futebol, nos comprometemos não apenas com nossa organização, mas com nossa carreira, com nosso chefe, com nosso grupo de trabalho, com o sindicato, etc.
Muitas vezes o comprometimento com esses múltiplos focos leva o sujeito a tendências contraditórias. Não é raro que algumas pessoas deixem uma empresa de que gosta para acompanhar o seu chefe ou colega de trabalho que entraram em outra empresa. Algumas empresas podem não permitir o desenvolvimento da carreira de um profissional e, por essa razão, este pode deixá-la por outra em que terá o que espera. O vínculo com um sindicato pode implicar comportamentos não condizentes com o seu comprometimento com a empresa.
Na minha visão, a questão dos múltiplos focos está evidente no mundo do futebol já há um bom tempo. Porém, pra ser mais específico, acredito que a carreira é o principal foco do jogador de futebol, o que faz com que tome decisões que contrastem com o que seria de esperar de seu vínculo com o grupo, com seu treinador ou com seu clube. Consequentemente, devemos atentar para esse a relação do jogador com sua carreira se estivermos interessados em entender melhor seu comportamento.
Os jogadores, mais que profissionais de muitas categorias, buscam visibilidade, desafios, novidades. Podem escolher entrar num clube por este lhe dar boas chances de conquistar títulos, ou simplesmente por permitir participar de campeonatos que lhes dão maior visibilidade. Assim podem escolher ganhar menos num clube que beneficie sua carreira do que ganhar mais em outro em que apagar-se-á como profissional. Enfim, mais que o salário a ganhar, muitas vezes conta muito o valor a ser agregado à sua carreira. Ganhar muito e ficar no banco é outra opção pouco escolhida por jogadores.
Visto sob esta ótica, o clube (a organização) parece ser um mero instrumento no desenvolvimento profissional dos jogadores. Estes últimos passam a ser vistos como “mercenários” uma vez que parecem dispostos a mudar de clube por “qualquer razão”.
O caso da Juventus também é emblemático. Rebaixado pra segunda divisão do campeonato italiano e suspenso das competições européias o clube e seus torcedores assistiram a uma verdadeira diáspora de seus craques para os principais clubes europeus (inclusive rivais italianos). A derrocada da Juve é equivalente a ver a Coca-Cola transformar-se num supermercado local, pelo menos por um tempo. E, seguindo com a comparação, os jogadores da Juventus, que “dirigiam” a outrora grande Coca-Cola, preferiram mudar para as “Nike’s” e “Microsoft’s”, e seguir como importantes atores no cenário internacional.
A revolta dos torcedores da Juve e as “desculpas” formuladas pelos jogadores que deixaram o “barco” afundando são conjuntos de enunciados que representam bem o atual duelo entre o discurso de cobrança do “amor à camisa de outrora”, proferido por diretores e torcedores, e o discurso do “profissionalismo” presente na fala de jogadores e, obviamente, de seus empresários.
Uma parte bem específica do mundo do trabalho, aquela dos empregados altamente qualificados (dos chamados talentos) vive – dizem alguns – próxima a essa realidade, em que os interesses ligados à carreira se sobrepõem aos da organização. As empresas cobiçam cada vez mais esses talentos (como exemplo temos a prática de Head Hunting) enquanto estes desejam usar organizações de renome para dar saltos maiores e maiores em suas carreiras. Uma vez conquistados, como mantê-los? De que esses “novos empregados”, pra utilizar a terminologia de Grantham, precisam para ficar? Qual o papel que o comprometimento organizacional assume no novo contexto, esse mesmo referência tão importante outrora, na esteira do welfare state e do pleno emprego, em que o vínculo entre empregado e empregador pressupunha uma relação de tempo indeterminado?
Ao contrário do que alguns defendem, pra mim, o caso de Kaká mostra que o comprometimento organizacional continua a ser importante e deve ser fomentado nas organizações. Contudo, diferentemente de outros tempos, os outros vínculos ou focos de comprometimento também devem ser tidos em conta. Kaká não foi ao Manchester City porque este não lhe dava a possibilidade de conquistar títulos europeus ou de fazê-lo voltar a ser o melhor do mundo. Mas Kaká também resolveu rejeitar o Manchester City por amor ao clube e por toda a relação que construiu com sua torcida e dirigentes; porque no Milan Kaká fez investimentos, construiu a plataforma segura para conquistar seus objetivos dentro do clube(ser capitão da equipe, destacar-se internacionalmente); porque provavelmente lá ele é ouvido, considerado, reconhecido; Kaká ficou também porque sente que deve muito ao clube que deu destaque ao seu nome, que fez com que ele chegasse à seleção brasileira como principal jogador.
Neste sentido, ganhou Kaká porque manteve-se no clube que ama e que irá possibilitar grandes oportunidades à sua carreira de jogador. Ganhou o Milan enquanto organização ao manter aquele considerado sua principal vantagem competitiva. Ganhou também o futebol mais uma história que será contada e recontada futuramente, por senhores de meia-idade que, em tom professoral e nostálgico, lembrarão inocentemente aos mais novos que o futebol já não é mais como nos idos de 2009.
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9/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Juliana Seidl
Excelente forma de explicar as três dimensões do comprometimento, Diogo! Parabéns pelo blog. Abraços, Juliana Seidl (aluna do mestrado WOP-P 2008-2010 =).
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9/2/2009 - Kaka
Postado por Rafael
Olá Diogo!! Parabéns pela matéria, referente ao caso do Kaka. Acompanhei por cima a tentativa de transição, pois era um fato evidente nos jornais e páginas da web. No entanto, não tinha me dado conta de quantas coisas estevam agundo por trás e que o estopim era ir ou não para o novo clube. Sua matéria me fez refletir bastante. Abraço!!
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9/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por diogo
Obrigado pelos comentários. Fico feliz que o texto tenha gerado reflexões, Rafael. Abçs
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12/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Joel
Beleza. Não muito tempo atrás, a Fiorentina foi rebaixada pelo critério técnico. Batistuta sua maior estrela e titular absoluto da seleção Argentina à epoca foi assediado por vários clubes do mundo e principalmente da Itália. O que ele disse? "Não aceito nenhum outro clube e vou dis****r a segundona com ela. Também sou responsável pela sua queda". Foi lá e um ano após a Fio voltava à primeira divisão. Lo hermano também tem dignidade. Deus ainda acredita nos homens ( acredito que não em todos). Joel
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1/3/2009 - commitment e retenção de talentos
Postado por Helena Martins
Di-Man, acho que uma questão importante em toda esta história não deixa de ser também a política de retenção de talentos... Há vários clubes (e empresas!) que apesar de todo o blá blá blá continuam a achar que gerir RH é dar dinheiro e ponto final. Fazem processos de head hunting onde gastam fortunas e depois esquecem-se de reter os seus talentos que até podem ficar presos por um tempo por um certo compromisso de continuidade, mas que aos poucos vão baixando a satisfação com o emprego (numa ou várias dimensões) e isso enfraquece, queiramos ou não, o compromisso afectivo e, em alguns casos o próprio compromisso normativo. Trabalhando em consultoria, o mais normal é ouvir o cliente (a empresa) a dizer o que espera dos funcionários com grande ênfase: motivação, amor à camisola, lealdade, empenho, iniciativa, etc... Mas nunca tem bem claro ou explícito o que é que está disposta a dar em troca, como se fosse obrigação do colaborador esta devoção "à chinesa", de querer viver para sempre na empresa, a troco daquilo que ao empregador lhe parecer mais justo... até à altura em que este acha que já não precisa daquela pessoa... Custa-me especialmente perceber uma certa tendência das empresas em obter o melhor talento, apenas para depois o tomar por garantido... Resta-me pensar que, como diziam o Meyer e a Allen num artigo "the problem with talented employees is that they have options" certo? O mundo está mesmo a mudar... E os contratos psicológicos e o compromisso organizacional também!
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21/3/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Juliana
Galêgo, desculpa só agora voltar a ler o seu blog. O interessante é que não é um assunto que normalmente me interessa (futebol), mas você constrói o texto de uma forma que atrai o mais leigo dos leitores até o fim. E me fez refletir também, logo eu, que tanto mudei de empresas... rsrsrsrs. Parabéns! Beijos!
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Dito isto, assumimos que muitos dos problemas enfrentados no futebol são análogos àqueles enfrentados no mundo do trabalho. E vice-versa. Em relação ao contexto do trabalho, as semelhanças entre futebol e sociedade acentuaram-se cada vez mais na proporção em que o futebol foi se profissionalizando. O recente episódio da tentativa de compra de Kaká pelo Manchester City ao AC Milan pode ser tomado como exemplo disso.
Kaká é jogador do AC Milan há mais de cinco anos, algo raro no futebol atual. Kaká mostrava-se satisfeito com seu clube e não escondia que seus objetivos de carreira tinham o Milan como único horizonte. Ele também já havia dito que pretendia assumir o cargo de capitão do time e “envelhecer” no clube que o projetou para o estrelato no futebol. Ademais, Kaká também deixou transparecer, em várias oportunidades, o desejo de seguir no clube como dirigente quando pendurar as chuteiras.
Tudo isso seguia tranquilo e inquestionável até algumas semanas atrás, quando o Manchester City ofereceu uma soma astronômica pelo passe do jogador. Uma valor quase irreal, mesmo sem considerar a atual crise econômica ou lembrar o caráter suspeito da fonte do prometido dinheiro (o que não vem ao caso). O Milan mostrou-se interessado enquanto Kaká esteve relutante. Depois de um certo imbróglio, um certo vai ou fica, a decisão: Kaká fica. Porque o Milan quer e, sobretudo, porque Kaká quer.
Esse evento me fez lembrar o tema do comprometimento com a organização, um vasto campo de pesquisa na Psicologia do Trabalho e das Organizações. É inevitável que a explicação a seguir simplifique em excesso o conceito: Meyer e Allen, são dois autores canadenses que defendem um modelo multidimensional do comprometimento, que congrega as contribuições de vários outros autores anteriores. De acordo com o modelo , há três dimensões ou bases do comprometimento: afetiva (permanece na empresa porque quer), calculativa ou de continuidade (permanece porque precisa) e normativa (permanece porque sente que deve). As diferentes bases ensejam diferentes disposições comportamentais, embora tenham em comum uma relação negativa com o turnover.
Uma das premissas do modelo é que as bases do comprometimento estão presentes ao mesmo tempo com intensidades diferentes. Um jogador, por exemplo, pode permanecer em um clube pelo "amor à camisa" (C. Afetivo), por não ter alternativas ou não querer perder aquilo que conquistou com tanto tempo de trabalho no clube – ex.: chegou a capitão – (C. Calculativo) ou ainda por nutrir um sentimento de obrigação moral para com o clube que o treinou desde criança e investiu forte em seu desenvolvimento profissional (C. Normativo).
Tudo isso pode estar presente em diferentes medidas. Este é o modelo conceitual mais aceito hoje. Entretanto, sugiro, para quem se interesse, a leitura da mais recente – e talvez mais bem fundamentada – crítica a esse modelo, presente no artigo de Solinger, Olffen & Roe (2008).
Além das diferentes bases do comprometimento uma das grandes questões é aquela referente aos seus múltiplos focos. Nós, assim como os jogadores de futebol, nos comprometemos não apenas com nossa organização, mas com nossa carreira, com nosso chefe, com nosso grupo de trabalho, com o sindicato, etc.
Muitas vezes o comprometimento com esses múltiplos focos leva o sujeito a tendências contraditórias. Não é raro que algumas pessoas deixem uma empresa de que gosta para acompanhar o seu chefe ou colega de trabalho que entraram em outra empresa. Algumas empresas podem não permitir o desenvolvimento da carreira de um profissional e, por essa razão, este pode deixá-la por outra em que terá o que espera. O vínculo com um sindicato pode implicar comportamentos não condizentes com o seu comprometimento com a empresa.
Na minha visão, a questão dos múltiplos focos está evidente no mundo do futebol já há um bom tempo. Porém, pra ser mais específico, acredito que a carreira é o principal foco do jogador de futebol, o que faz com que tome decisões que contrastem com o que seria de esperar de seu vínculo com o grupo, com seu treinador ou com seu clube. Consequentemente, devemos atentar para esse a relação do jogador com sua carreira se estivermos interessados em entender melhor seu comportamento.
Os jogadores, mais que profissionais de muitas categorias, buscam visibilidade, desafios, novidades. Podem escolher entrar num clube por este lhe dar boas chances de conquistar títulos, ou simplesmente por permitir participar de campeonatos que lhes dão maior visibilidade. Assim podem escolher ganhar menos num clube que beneficie sua carreira do que ganhar mais em outro em que apagar-se-á como profissional. Enfim, mais que o salário a ganhar, muitas vezes conta muito o valor a ser agregado à sua carreira. Ganhar muito e ficar no banco é outra opção pouco escolhida por jogadores.
Visto sob esta ótica, o clube (a organização) parece ser um mero instrumento no desenvolvimento profissional dos jogadores. Estes últimos passam a ser vistos como “mercenários” uma vez que parecem dispostos a mudar de clube por “qualquer razão”.
O caso da Juventus também é emblemático. Rebaixado pra segunda divisão do campeonato italiano e suspenso das competições européias o clube e seus torcedores assistiram a uma verdadeira diáspora de seus craques para os principais clubes europeus (inclusive rivais italianos). A derrocada da Juve é equivalente a ver a Coca-Cola transformar-se num supermercado local, pelo menos por um tempo. E, seguindo com a comparação, os jogadores da Juventus, que “dirigiam” a outrora grande Coca-Cola, preferiram mudar para as “Nike’s” e “Microsoft’s”, e seguir como importantes atores no cenário internacional.
A revolta dos torcedores da Juve e as “desculpas” formuladas pelos jogadores que deixaram o “barco” afundando são conjuntos de enunciados que representam bem o atual duelo entre o discurso de cobrança do “amor à camisa de outrora”, proferido por diretores e torcedores, e o discurso do “profissionalismo” presente na fala de jogadores e, obviamente, de seus empresários.
Uma parte bem específica do mundo do trabalho, aquela dos empregados altamente qualificados (dos chamados talentos) vive – dizem alguns – próxima a essa realidade, em que os interesses ligados à carreira se sobrepõem aos da organização. As empresas cobiçam cada vez mais esses talentos (como exemplo temos a prática de Head Hunting) enquanto estes desejam usar organizações de renome para dar saltos maiores e maiores em suas carreiras. Uma vez conquistados, como mantê-los? De que esses “novos empregados”, pra utilizar a terminologia de Grantham, precisam para ficar? Qual o papel que o comprometimento organizacional assume no novo contexto, esse mesmo referência tão importante outrora, na esteira do welfare state e do pleno emprego, em que o vínculo entre empregado e empregador pressupunha uma relação de tempo indeterminado?
Ao contrário do que alguns defendem, pra mim, o caso de Kaká mostra que o comprometimento organizacional continua a ser importante e deve ser fomentado nas organizações. Contudo, diferentemente de outros tempos, os outros vínculos ou focos de comprometimento também devem ser tidos em conta. Kaká não foi ao Manchester City porque este não lhe dava a possibilidade de conquistar títulos europeus ou de fazê-lo voltar a ser o melhor do mundo. Mas Kaká também resolveu rejeitar o Manchester City por amor ao clube e por toda a relação que construiu com sua torcida e dirigentes; porque no Milan Kaká fez investimentos, construiu a plataforma segura para conquistar seus objetivos dentro do clube(ser capitão da equipe, destacar-se internacionalmente); porque provavelmente lá ele é ouvido, considerado, reconhecido; Kaká ficou também porque sente que deve muito ao clube que deu destaque ao seu nome, que fez com que ele chegasse à seleção brasileira como principal jogador.
Neste sentido, ganhou Kaká porque manteve-se no clube que ama e que irá possibilitar grandes oportunidades à sua carreira de jogador. Ganhou o Milan enquanto organização ao manter aquele considerado sua principal vantagem competitiva. Ganhou também o futebol mais uma história que será contada e recontada futuramente, por senhores de meia-idade que, em tom professoral e nostálgico, lembrarão inocentemente aos mais novos que o futebol já não é mais como nos idos de 2009.
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9/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Juliana Seidl
Excelente forma de explicar as três dimensões do comprometimento, Diogo! Parabéns pelo blog. Abraços, Juliana Seidl (aluna do mestrado WOP-P 2008-2010 =).
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9/2/2009 - Kaka
Postado por Rafael
Olá Diogo!! Parabéns pela matéria, referente ao caso do Kaka. Acompanhei por cima a tentativa de transição, pois era um fato evidente nos jornais e páginas da web. No entanto, não tinha me dado conta de quantas coisas estevam agundo por trás e que o estopim era ir ou não para o novo clube. Sua matéria me fez refletir bastante. Abraço!!
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9/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por diogo
Obrigado pelos comentários. Fico feliz que o texto tenha gerado reflexões, Rafael. Abçs
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12/2/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Joel
Beleza. Não muito tempo atrás, a Fiorentina foi rebaixada pelo critério técnico. Batistuta sua maior estrela e titular absoluto da seleção Argentina à epoca foi assediado por vários clubes do mundo e principalmente da Itália. O que ele disse? "Não aceito nenhum outro clube e vou dis****r a segundona com ela. Também sou responsável pela sua queda". Foi lá e um ano após a Fio voltava à primeira divisão. Lo hermano também tem dignidade. Deus ainda acredita nos homens ( acredito que não em todos). Joel
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1/3/2009 - commitment e retenção de talentos
Postado por Helena Martins
Di-Man, acho que uma questão importante em toda esta história não deixa de ser também a política de retenção de talentos... Há vários clubes (e empresas!) que apesar de todo o blá blá blá continuam a achar que gerir RH é dar dinheiro e ponto final. Fazem processos de head hunting onde gastam fortunas e depois esquecem-se de reter os seus talentos que até podem ficar presos por um tempo por um certo compromisso de continuidade, mas que aos poucos vão baixando a satisfação com o emprego (numa ou várias dimensões) e isso enfraquece, queiramos ou não, o compromisso afectivo e, em alguns casos o próprio compromisso normativo. Trabalhando em consultoria, o mais normal é ouvir o cliente (a empresa) a dizer o que espera dos funcionários com grande ênfase: motivação, amor à camisola, lealdade, empenho, iniciativa, etc... Mas nunca tem bem claro ou explícito o que é que está disposta a dar em troca, como se fosse obrigação do colaborador esta devoção "à chinesa", de querer viver para sempre na empresa, a troco daquilo que ao empregador lhe parecer mais justo... até à altura em que este acha que já não precisa daquela pessoa... Custa-me especialmente perceber uma certa tendência das empresas em obter o melhor talento, apenas para depois o tomar por garantido... Resta-me pensar que, como diziam o Meyer e a Allen num artigo "the problem with talented employees is that they have options" certo? O mundo está mesmo a mudar... E os contratos psicológicos e o compromisso organizacional também!
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21/3/2009 - Commentário Sem Título
Postado por Juliana
Galêgo, desculpa só agora voltar a ler o seu blog. O interessante é que não é um assunto que normalmente me interessa (futebol), mas você constrói o texto de uma forma que atrai o mais leigo dos leitores até o fim. E me fez refletir também, logo eu, que tanto mudei de empresas... rsrsrsrs. Parabéns! Beijos!
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Imagem do Executivo
Acabo de ler um artigo publicado no número mais recente da revista Psicologia: Organizações e Trabalho (rPOT). Aliás, a revista é, inegavelmente, um empreendimento de grande valor para os psicólogos e profissionais relacionados com a gestão de pessoas no Brasil. Vale a pena visitar o site cujo link aparecerá ao final do texto.
O referido artigo tocou-me um pouco mais do que os outros. Não por achar sua qualidade superior à dos demais, mas por abordar um ponto de especial interesse para mim e, acredito, muitos outros.
Os autores do estudo (Nascimento, Roazzi, Castellan e Rabelo) discutem questões relacionadas à imagem do executivo nos dias de hoje, e investigam um público bastante adequado para o efeito: estudantes de administração. Ou seja, potenciais executivos de amanhã.
No início do artigo eles descrevem a forma como o mundo contemporâneo atual, sobre o pano de fundo da globalização e da intensificação da competitividade, produz um repertório específico e limitado de significados, valores e comportamentos que delimita as formas com que o “ser executivo” pode se apresentar.
Eles descrevem vários estudos que, de uma forma geral, ilustram uma visão do executivo como alguém voltado pra tarefa e aos aspectos técnicos e objetivos da mesma em detrimento aos aspectos relacionais ou interpessoais do trabalho. Isso torna-se particularmente grave quando, mais à frente, constata-se que uma das visões mais comuns acerca do executivo é a de que sua função é realizar trabalhos por intermédio de outras pessoas. Ou seja, uma de suas principais funções é liderar.
Os autores do artigo ainda descrevem como o mundo corporativo e a media relacionada “prescreve” uma receita bastante limitada do que vem a ser um executivo. Uma análise aprofundada em outro estudo referido pelos autores mostra como revistas voltadas para os negócios (e.g. Você S.A.) veiculam não apenas que características são desejáveis nos executivos (e.g. formação acadêmica, atualização de conhecimentos, fluência em idiomas, etc.) ilustrando-as em matérias ou anúncios, mas também formas específicas de como devem se vestir e se comportar (e.g. discrição e seriedade).
Chamam a esse processo “objetificação do profissional executivo”, cuja essência constitui a retirada da individualdade do sujeito para produzir uma imagem que reflete única e exclusivamente as necessidades das empresas. Este processo está bem descrito na seguinte passagem do artigo:
“A difusão sistemática dessa imagem através de vários mecanismos discursivos pressiona-o para uma uniformização e padronização em resposta à demanda ideológica dominante no mundo organizacional para compor o perfil desse executivo bem sucedido, que impacta diretamente na corporeidade do indivíduo, tornando árduo o caminho daqueles que não se sentem enquadrados no padrão” (p. 100).
Para verificar empiricamente esse processo os autores propuseram uma pesquisa com potenciais executivos: estudantes de administração em diferentes momentos da formação (iniciantes, intermediários e concluintes). O “mote” do questionário era a seguinte pergunta: “Quais as características que um executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional?”
O pressuposto contido na pergunta é o de que, à medida que os estudantes caminham para o mundo de trabalho (aumentando seu contato com consultores, com a media especializada, com intituições de trabalho, etc.), a imagem do executivo veiculada no mundo dos negócios será incorporada e tornar-se-á mais evidente em seus discursos.
O resultado do estudo é um tanto alarmante. As respostas foram categorizadas e a frequência com que cada categoria semântica emergia foi comparada tendo como referência os três grupos de estudantes (iniciantes, intermediários e concluintes).
Os estudantes iniciantes e intermediários referiram-se, com maior frequência que os concluintes, a características necessárias aos executivos categorizadas como Sociabilidade, que incluiam respostas como “espontaneidade”, “capacidade para cativar as pessoas”, etc.
Os iniciantes apresentaram ainda diferenças estatisticamente significativas em relação aos outros dois grupos no que diz respeito a frequência de respostas incluídas em duas outras categorias:
Relacionamento (que inclui respostas como “saber relacionar-se em grupos”, “manter relações sociais”) e
Ética (que inclui respostas como “ter postura ética”).
Em outras palavras, à medida que os estudantes caminham para o mercado de trabalho, a imagem que se tem do executivo sofre alterações no sentido de um privilégio aos aspectos técnicos em detrimento às características relacionadas com a sociabilidade, com o relacionamento interpessoal e até mesmo com os valores éticos.
Não está claro se essas características tornam-se completamente desnecessárias ou apenas ganham um plano secundário no alcance do sucesso da carreira executiva. Não se sabe tampouco se a própria formação do profissional apenas permite essa mudança ou mesmo reforça-a em conjunto com os estímulos mais óbvios do próprio mercado de trabalho, que passa a influenciar mais fortemente o estudante a caminho de sua graduação.
Enfim, o estudo retrata uma situação séria e produz uma série de questões que podem inspirar muitos outros estudos para eclarecer ainda mais a natureza desse processo. E se confirmarmos que de fato ele ocorre tal como foi descrito acredito que o tema mereceria uma atenção bem maior do que aquela que lhe foi dispensada até então.
Link para a rPOT
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/index
Um outro link interessante é para outro texto, a este relacionado.
http://www.baraodemaua.br/revista/v1n1/construcao_imagem.html
O referido artigo tocou-me um pouco mais do que os outros. Não por achar sua qualidade superior à dos demais, mas por abordar um ponto de especial interesse para mim e, acredito, muitos outros.
Os autores do estudo (Nascimento, Roazzi, Castellan e Rabelo) discutem questões relacionadas à imagem do executivo nos dias de hoje, e investigam um público bastante adequado para o efeito: estudantes de administração. Ou seja, potenciais executivos de amanhã.
No início do artigo eles descrevem a forma como o mundo contemporâneo atual, sobre o pano de fundo da globalização e da intensificação da competitividade, produz um repertório específico e limitado de significados, valores e comportamentos que delimita as formas com que o “ser executivo” pode se apresentar.
Eles descrevem vários estudos que, de uma forma geral, ilustram uma visão do executivo como alguém voltado pra tarefa e aos aspectos técnicos e objetivos da mesma em detrimento aos aspectos relacionais ou interpessoais do trabalho. Isso torna-se particularmente grave quando, mais à frente, constata-se que uma das visões mais comuns acerca do executivo é a de que sua função é realizar trabalhos por intermédio de outras pessoas. Ou seja, uma de suas principais funções é liderar.
Os autores do artigo ainda descrevem como o mundo corporativo e a media relacionada “prescreve” uma receita bastante limitada do que vem a ser um executivo. Uma análise aprofundada em outro estudo referido pelos autores mostra como revistas voltadas para os negócios (e.g. Você S.A.) veiculam não apenas que características são desejáveis nos executivos (e.g. formação acadêmica, atualização de conhecimentos, fluência em idiomas, etc.) ilustrando-as em matérias ou anúncios, mas também formas específicas de como devem se vestir e se comportar (e.g. discrição e seriedade).
Chamam a esse processo “objetificação do profissional executivo”, cuja essência constitui a retirada da individualdade do sujeito para produzir uma imagem que reflete única e exclusivamente as necessidades das empresas. Este processo está bem descrito na seguinte passagem do artigo:
“A difusão sistemática dessa imagem através de vários mecanismos discursivos pressiona-o para uma uniformização e padronização em resposta à demanda ideológica dominante no mundo organizacional para compor o perfil desse executivo bem sucedido, que impacta diretamente na corporeidade do indivíduo, tornando árduo o caminho daqueles que não se sentem enquadrados no padrão” (p. 100).
Para verificar empiricamente esse processo os autores propuseram uma pesquisa com potenciais executivos: estudantes de administração em diferentes momentos da formação (iniciantes, intermediários e concluintes). O “mote” do questionário era a seguinte pergunta: “Quais as características que um executivo precisa possuir para garantir seu sucesso profissional?”
O pressuposto contido na pergunta é o de que, à medida que os estudantes caminham para o mundo de trabalho (aumentando seu contato com consultores, com a media especializada, com intituições de trabalho, etc.), a imagem do executivo veiculada no mundo dos negócios será incorporada e tornar-se-á mais evidente em seus discursos.
O resultado do estudo é um tanto alarmante. As respostas foram categorizadas e a frequência com que cada categoria semântica emergia foi comparada tendo como referência os três grupos de estudantes (iniciantes, intermediários e concluintes).
Os estudantes iniciantes e intermediários referiram-se, com maior frequência que os concluintes, a características necessárias aos executivos categorizadas como Sociabilidade, que incluiam respostas como “espontaneidade”, “capacidade para cativar as pessoas”, etc.
Os iniciantes apresentaram ainda diferenças estatisticamente significativas em relação aos outros dois grupos no que diz respeito a frequência de respostas incluídas em duas outras categorias:
Relacionamento (que inclui respostas como “saber relacionar-se em grupos”, “manter relações sociais”) e
Ética (que inclui respostas como “ter postura ética”).
Em outras palavras, à medida que os estudantes caminham para o mercado de trabalho, a imagem que se tem do executivo sofre alterações no sentido de um privilégio aos aspectos técnicos em detrimento às características relacionadas com a sociabilidade, com o relacionamento interpessoal e até mesmo com os valores éticos.
Não está claro se essas características tornam-se completamente desnecessárias ou apenas ganham um plano secundário no alcance do sucesso da carreira executiva. Não se sabe tampouco se a própria formação do profissional apenas permite essa mudança ou mesmo reforça-a em conjunto com os estímulos mais óbvios do próprio mercado de trabalho, que passa a influenciar mais fortemente o estudante a caminho de sua graduação.
Enfim, o estudo retrata uma situação séria e produz uma série de questões que podem inspirar muitos outros estudos para eclarecer ainda mais a natureza desse processo. E se confirmarmos que de fato ele ocorre tal como foi descrito acredito que o tema mereceria uma atenção bem maior do que aquela que lhe foi dispensada até então.
Link para a rPOT
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/index
Um outro link interessante é para outro texto, a este relacionado.
http://www.baraodemaua.br/revista/v1n1/construcao_imagem.html
Razões práticas para agir de forma responsável
Poucos assuntos podem receber de forma mais justa o rótulo de “tema da moda” como a responsabilidade social e ambiental. O “agir de maneira sustentável”, “ser responsável social e ambientalmente”, “dar retorno à comunidade”, viraram chavões usados, às vezes, quase em par de igualdade com os já conhecidos “lucratividade”, “economia de escalas” “relação custo-benefício”, etc. O fato de ser responsável socialmente e/ou ambientalmente representa mais um aspecto corporativo a ser considerado nas avaliações do mercado. Programas de padronização semelhantes ao da qualidade são direcionados para o aspecto social (SA8000; ISO14000). O índice Dow Jones, por exemplo, recebeu em 1999 uma versão ancorada no conceito de sustentabilidade, que leva em conta as ações de responsabilidade social e ambiental das empresas.
Mas, convenhamos, essa conversa de elevar a responsabilidade corporativa ao mesmo nível de importância da lucratividade de fato procede e tem raízes genuínas? No âmbito do comportamento dos indivíduos em sociedade sabemos que, frequentemente, tentamos gerir a nossa imagem frente aos nossos interlocutores. Este é, aliás, um importante tópico na literatura organizacional: a gestão de impressões. Então, se sabemos que as empresas são PESSOAs, ainda que jurídicas, é natural que elas também tentem gerir da melhor forma a sua imagem. Brincadeiras à parte, não se trata de puro altruísmo.
Com a crescente visibilidade das empresas (devido à evolução das tecnologias da informação e da comunicação), estas buscam, cada vez mais, associar sua imagem a coisas valorizadas socialmente. A responsabilidade corporativa é, por acaso, uma dessas coisas.
Resolvi abordar o tema depois que li um livro chamado A Corporação, de Joel Bakan. Já havia, anteriormente, assistido ao documentário com base nesse livro. Não me alongarei muito na descrição do problema que este autor nos traz. Segundo ele, as empresas (e o foco dele é especificamente a corporação – empresa de capital aberto) são legalmente impedidas de ser responsáveis social ou ambientalmente. Milton Friedman, aquele do nobel da economia, vai além e diz que isso é, além de ilegal, moralmente incorreto.
Por que legalmente e moralmente? Aqui nossa visão depende do que chamamos de responsabilidade e do que consideramos ser a função social das empresas. Neste texto, considero responsabilidade social ou ambiental aquilo que vai além das obrigações legais da empresa (aquilo que vai além, por exemplo, dos termos de ajustamento de conduta ambiental). Projetos de educação para a saúde, ou investimento em cooperativas constituem ações de responsabilidade social (a responsabilidade social tem ainda uma dimensão interna da qual não trataremos diretamente, embora reconheçamos como importante). Projetos de revitalização de rios, preservação de áreas ambientais ou de espécies, que recebem apoio espontâneo da organização são ações de responsabilidade ambiental.
Então vamos por partes. A finalidade das corporações é, em última instância, maximizar os lucros de seus acionistas. A lei (falo do contexto anglo-saxôico em que o livro se baseia) surge porque, no passado, os acionistas não tinham muitos meios de proteger o retorno de seus investimentos. Muitos foram os casos nos séculos XVII e XVIII de investidores que perderam o dinheiro investido em corporações. As corporações chegaram a ser proibidas em função desses casos. Posteriormente os investidores tiveram garantia por lei de que a finalidade da empresa é, em última instância, a maximização de seus lucros. Programas de responsabilidade social ou ambiental não são a atividade-fim da empresa e constituem, até que se prove o contrário, despesas. Daí a ilegalidade afirmada acima.
A idéia de que a responsabilidade social ou ambiental é moralmente repreensível tem a ver com a perspectiva do liberal prêmio nobel, que acredita que uma empresa é responsável socialmente quando está realizando sua função: gerando lucros para seus proprietários. É a velha crença da mão invisível do mercado. Como referi acima, é a questão da perspectiva sobre as funções sociais das empresas.
Bom, neste sentido, programas de responsabilidade social ou ambiental só poderiam ser legalmente ou moralmente corretos se interpretados como meios estratégicos para alcançar os resultados comerciais para que a corporação foi formada.
Ou seja, aqui deveríamos exercitar um pouco de cinismo ao justificar, o que considero, boas-ações. Na impossibilidade de justificar os programas como fins em si mesmos, devemos então procurar outras alternativas.
Há algumas formas de mostrar que programas como esses geram resultados para a atividade fim da empresa. A forma mais óbvia é de demonstrar que a associação de marcas ou produtos a valores “em alta” na sociedade ajuda a promover a marca, a promover o que no marketing se denomina (brand equity – medida em que uma marca é associada a valores positivos). Isso resultará, amiúde, em mais vendas, mais dinheiro, mais lucro.
Assumamos então que os programas de responsabilidade social e ambiental constituem, nos dias de hoje, ferramentas fundamentais na construção da imagem corporativa. Isso é, pra mim, uma premissa fortemente alicerçada sobre evidências.
Uma outra forma diz respeito precisamente ao que sociólogos e psicólogos do trabalho têm estudado há muito tempo: a imagem da empresa tem impacto sobre as atitudes e comportamento individuais e grupais daqueles que nela trabalham. Isso é dizer, que, enquanto a justificativa anterior fala do efeito da imagem da empresa ou da marca no mercado (fora da empresa), esta diz respeito ao efeito da imagem nos trabalhadores (dentro da empresa). Justifico então.
Não gostamos de fazer parte de grupos sociais mal-vistos. Imaginamos que, por exemplo, nossa famílias representam os valores mais bonitos como a integridade, a honestidade, a bondade, etc. Identificamo-nos com os valores que os grupos sociais a que pertencemos defendem. Inversamente, somos atraídos para grupos que defendem os valores que defendemos. Gostamos de estar associados a bons grupos. Você nunca observou que quando seu time vence, é comum dizermos “ganhamos ontem”? Por outro lado, quando o time perde dizemos “perderam ontem”, e, dessa forma, nos desassociamos daquele resultado desprezível, da suposta falta de brio de nossa equipe. Isso é engraçado, ao mesmo tempo em que é comum.
Aqui vai então o primeiro fato: as pessoas, em geral, procuram trabalhar em empresas que são valorizadas socialmente e que elas próprias valorizam. Neste sentido, uma empresa com uma boa imagem tem a capacidade de atrair os melhores profissionais. Isso porque mais gente estará interessada em trabalhar para a mesma, o que dá uma boa margem para selecionar os melhores. A correlação é clara. Basta olharmos quais as empresas que estão na lista das favoritas dos universitários brasileiros e ver para quantos programas sociais e ambientais elas destinam recursos.
A velha teoria da dissonância cognitiva pode explicar parte do fenômeno: não suportamos trabalhar para quem tem outros valores e que, consequentemente, nos faz agir segundo esses valores. Somos sensíveis a tal discrepância e, caso não tenho outra alternativa, ficarei insatisfeito, agirei de alguma forma para mudar a situação, e reequilibrar-me “cognitivamente”. Se valorizo a natureza, será difícil, ou pelo menos incômodo, trabalhar para uma empresa que, através de suas ações, demonstra pouco interesse pela defesa do meio-ambiente.
Mas não é só a atração de talentos. Reter talentos é um outro desafio do mundo do trabalho contemporâneo. Os profissionais (não quero dizer a totalidade deles) cada vez mais centram-se sobre suas carreiras, usando organizações de forma instrumental para a consecução de seu objetivos profissionais. Enquanto os empregados que as empresas não querem reter – e terceirizam suas atividades – desejam manter uma relação duradoura com a mesma jurando lealdade, os profissionais que as empresas desejam manter estão, por vezes, interessados numa relação mais independente. Esse é o paradoxo que muitas empresas enfrentam hoje.
A imagem corporativa, seu prestígio externo, entra como fator importante também na retenção de talentos. Temos a necessidade de auto-estima, de sentirmo-nos bem com o que fazemos. Nada melhor que ter orgulho de dizer: “eu trabalho para a empresa TAL”. “NÓS (observe a lógica da identificação) defendemos o meio-ambiente, NÓS contribuimos para o desenvolvimento do país, etc.” Isto soa bem mais à satisfação que quando usamos a terceira pessoa.
Para não tornar a coisa enfadonha mas, ao mesmo tempo, dar exemplos concretos de evidências, recorro a apenas dois estudos recentes (dentre os inúmeros existentes) sobre a relação entre imagem organizacional e comprometimento/ identificação com a organização.
Bartels, De Jong e Joustra (2007) aplicaram questionários a 314 integrantes da força policial de seu país. Os questionários tinham escalas de medida da percepção que os mesmos tinham do prestígio da corporação e escalas que mediam o grau de identificação com a mesma. A correlação encontrada entre prestígio percebido e identificação organizacional foi de 0.55, considerada alta para os padrões das ciências sociais. Técnicas estatísticas ainda mais robustas confirmaram a hipótese relacional. Fuller e seus colegas (2006) investigaram o setor da saúde e encontraram resultados bastante semelhantes. Enfim, quanto melhor percebemos a imagem de nossa organização, mais nos identificamos com ela, mais nos comprometemos com ela.
O comprometimento é também, em parte, resultado da imagem organizacional e, tal como a identificação, está negativamente relacionado com turnover e absenteísmo. Ou seja, empregados comprometidos e identificados com sua empresa, faltam menos ao trabalho e desejam manter-se empregados na mesma. Ademais, está amplamente demonstrado que empregados comprometidos e identificados produzem melhor, estão mais satisfeitos com o trabalho, engajam-se em comportamentos de cidadania organizacional e uma infinidade de aspectos positivos.
Estes são os caminhos que, acredito, levam a adoção de programas de responsabilidade social e ambiental a resultados empresariais favoráveis, a lucros, enfim, àquilo que ajuda as empresas a cumrpir seu objetivo comercial. Na aparente ineficácia de um argumento moral em favor da responsabilidade corporativa, vale exercitar um pouco de cinismo para justificar de maneira apenas instrumental o que deveria ter seu valor reconhecido em si mesmo.
# O livro "A corporação" é facil de encontrar e o documentário está disponível no youtube, inclusive com a versão legendada. Aí vai o link da primeira parte.
http://www.youtube.com/watch?v=hj-5iFrVczQ
Mas, convenhamos, essa conversa de elevar a responsabilidade corporativa ao mesmo nível de importância da lucratividade de fato procede e tem raízes genuínas? No âmbito do comportamento dos indivíduos em sociedade sabemos que, frequentemente, tentamos gerir a nossa imagem frente aos nossos interlocutores. Este é, aliás, um importante tópico na literatura organizacional: a gestão de impressões. Então, se sabemos que as empresas são PESSOAs, ainda que jurídicas, é natural que elas também tentem gerir da melhor forma a sua imagem. Brincadeiras à parte, não se trata de puro altruísmo.
Com a crescente visibilidade das empresas (devido à evolução das tecnologias da informação e da comunicação), estas buscam, cada vez mais, associar sua imagem a coisas valorizadas socialmente. A responsabilidade corporativa é, por acaso, uma dessas coisas.
Resolvi abordar o tema depois que li um livro chamado A Corporação, de Joel Bakan. Já havia, anteriormente, assistido ao documentário com base nesse livro. Não me alongarei muito na descrição do problema que este autor nos traz. Segundo ele, as empresas (e o foco dele é especificamente a corporação – empresa de capital aberto) são legalmente impedidas de ser responsáveis social ou ambientalmente. Milton Friedman, aquele do nobel da economia, vai além e diz que isso é, além de ilegal, moralmente incorreto.
Por que legalmente e moralmente? Aqui nossa visão depende do que chamamos de responsabilidade e do que consideramos ser a função social das empresas. Neste texto, considero responsabilidade social ou ambiental aquilo que vai além das obrigações legais da empresa (aquilo que vai além, por exemplo, dos termos de ajustamento de conduta ambiental). Projetos de educação para a saúde, ou investimento em cooperativas constituem ações de responsabilidade social (a responsabilidade social tem ainda uma dimensão interna da qual não trataremos diretamente, embora reconheçamos como importante). Projetos de revitalização de rios, preservação de áreas ambientais ou de espécies, que recebem apoio espontâneo da organização são ações de responsabilidade ambiental.
Então vamos por partes. A finalidade das corporações é, em última instância, maximizar os lucros de seus acionistas. A lei (falo do contexto anglo-saxôico em que o livro se baseia) surge porque, no passado, os acionistas não tinham muitos meios de proteger o retorno de seus investimentos. Muitos foram os casos nos séculos XVII e XVIII de investidores que perderam o dinheiro investido em corporações. As corporações chegaram a ser proibidas em função desses casos. Posteriormente os investidores tiveram garantia por lei de que a finalidade da empresa é, em última instância, a maximização de seus lucros. Programas de responsabilidade social ou ambiental não são a atividade-fim da empresa e constituem, até que se prove o contrário, despesas. Daí a ilegalidade afirmada acima.
A idéia de que a responsabilidade social ou ambiental é moralmente repreensível tem a ver com a perspectiva do liberal prêmio nobel, que acredita que uma empresa é responsável socialmente quando está realizando sua função: gerando lucros para seus proprietários. É a velha crença da mão invisível do mercado. Como referi acima, é a questão da perspectiva sobre as funções sociais das empresas.
Bom, neste sentido, programas de responsabilidade social ou ambiental só poderiam ser legalmente ou moralmente corretos se interpretados como meios estratégicos para alcançar os resultados comerciais para que a corporação foi formada.
Ou seja, aqui deveríamos exercitar um pouco de cinismo ao justificar, o que considero, boas-ações. Na impossibilidade de justificar os programas como fins em si mesmos, devemos então procurar outras alternativas.
Há algumas formas de mostrar que programas como esses geram resultados para a atividade fim da empresa. A forma mais óbvia é de demonstrar que a associação de marcas ou produtos a valores “em alta” na sociedade ajuda a promover a marca, a promover o que no marketing se denomina (brand equity – medida em que uma marca é associada a valores positivos). Isso resultará, amiúde, em mais vendas, mais dinheiro, mais lucro.
Assumamos então que os programas de responsabilidade social e ambiental constituem, nos dias de hoje, ferramentas fundamentais na construção da imagem corporativa. Isso é, pra mim, uma premissa fortemente alicerçada sobre evidências.
Uma outra forma diz respeito precisamente ao que sociólogos e psicólogos do trabalho têm estudado há muito tempo: a imagem da empresa tem impacto sobre as atitudes e comportamento individuais e grupais daqueles que nela trabalham. Isso é dizer, que, enquanto a justificativa anterior fala do efeito da imagem da empresa ou da marca no mercado (fora da empresa), esta diz respeito ao efeito da imagem nos trabalhadores (dentro da empresa). Justifico então.
Não gostamos de fazer parte de grupos sociais mal-vistos. Imaginamos que, por exemplo, nossa famílias representam os valores mais bonitos como a integridade, a honestidade, a bondade, etc. Identificamo-nos com os valores que os grupos sociais a que pertencemos defendem. Inversamente, somos atraídos para grupos que defendem os valores que defendemos. Gostamos de estar associados a bons grupos. Você nunca observou que quando seu time vence, é comum dizermos “ganhamos ontem”? Por outro lado, quando o time perde dizemos “perderam ontem”, e, dessa forma, nos desassociamos daquele resultado desprezível, da suposta falta de brio de nossa equipe. Isso é engraçado, ao mesmo tempo em que é comum.
Aqui vai então o primeiro fato: as pessoas, em geral, procuram trabalhar em empresas que são valorizadas socialmente e que elas próprias valorizam. Neste sentido, uma empresa com uma boa imagem tem a capacidade de atrair os melhores profissionais. Isso porque mais gente estará interessada em trabalhar para a mesma, o que dá uma boa margem para selecionar os melhores. A correlação é clara. Basta olharmos quais as empresas que estão na lista das favoritas dos universitários brasileiros e ver para quantos programas sociais e ambientais elas destinam recursos.
A velha teoria da dissonância cognitiva pode explicar parte do fenômeno: não suportamos trabalhar para quem tem outros valores e que, consequentemente, nos faz agir segundo esses valores. Somos sensíveis a tal discrepância e, caso não tenho outra alternativa, ficarei insatisfeito, agirei de alguma forma para mudar a situação, e reequilibrar-me “cognitivamente”. Se valorizo a natureza, será difícil, ou pelo menos incômodo, trabalhar para uma empresa que, através de suas ações, demonstra pouco interesse pela defesa do meio-ambiente.
Mas não é só a atração de talentos. Reter talentos é um outro desafio do mundo do trabalho contemporâneo. Os profissionais (não quero dizer a totalidade deles) cada vez mais centram-se sobre suas carreiras, usando organizações de forma instrumental para a consecução de seu objetivos profissionais. Enquanto os empregados que as empresas não querem reter – e terceirizam suas atividades – desejam manter uma relação duradoura com a mesma jurando lealdade, os profissionais que as empresas desejam manter estão, por vezes, interessados numa relação mais independente. Esse é o paradoxo que muitas empresas enfrentam hoje.
A imagem corporativa, seu prestígio externo, entra como fator importante também na retenção de talentos. Temos a necessidade de auto-estima, de sentirmo-nos bem com o que fazemos. Nada melhor que ter orgulho de dizer: “eu trabalho para a empresa TAL”. “NÓS (observe a lógica da identificação) defendemos o meio-ambiente, NÓS contribuimos para o desenvolvimento do país, etc.” Isto soa bem mais à satisfação que quando usamos a terceira pessoa.
Para não tornar a coisa enfadonha mas, ao mesmo tempo, dar exemplos concretos de evidências, recorro a apenas dois estudos recentes (dentre os inúmeros existentes) sobre a relação entre imagem organizacional e comprometimento/ identificação com a organização.
Bartels, De Jong e Joustra (2007) aplicaram questionários a 314 integrantes da força policial de seu país. Os questionários tinham escalas de medida da percepção que os mesmos tinham do prestígio da corporação e escalas que mediam o grau de identificação com a mesma. A correlação encontrada entre prestígio percebido e identificação organizacional foi de 0.55, considerada alta para os padrões das ciências sociais. Técnicas estatísticas ainda mais robustas confirmaram a hipótese relacional. Fuller e seus colegas (2006) investigaram o setor da saúde e encontraram resultados bastante semelhantes. Enfim, quanto melhor percebemos a imagem de nossa organização, mais nos identificamos com ela, mais nos comprometemos com ela.
O comprometimento é também, em parte, resultado da imagem organizacional e, tal como a identificação, está negativamente relacionado com turnover e absenteísmo. Ou seja, empregados comprometidos e identificados com sua empresa, faltam menos ao trabalho e desejam manter-se empregados na mesma. Ademais, está amplamente demonstrado que empregados comprometidos e identificados produzem melhor, estão mais satisfeitos com o trabalho, engajam-se em comportamentos de cidadania organizacional e uma infinidade de aspectos positivos.
Estes são os caminhos que, acredito, levam a adoção de programas de responsabilidade social e ambiental a resultados empresariais favoráveis, a lucros, enfim, àquilo que ajuda as empresas a cumrpir seu objetivo comercial. Na aparente ineficácia de um argumento moral em favor da responsabilidade corporativa, vale exercitar um pouco de cinismo para justificar de maneira apenas instrumental o que deveria ter seu valor reconhecido em si mesmo.
# O livro "A corporação" é facil de encontrar e o documentário está disponível no youtube, inclusive com a versão legendada. Aí vai o link da primeira parte.
http://www.youtube.com/watch?v=hj-5iFrVczQ
Um outro lado das metas no trabalho
O ato de definir metas tem sua importância reconhecida por todos já há um bom tempo. No âmbito pessoal, muitos hão de concordar que estabelecer para si mesmo um peso ideal a ser alcançado é mais eficaz no emagrecimento do que não fazê-lo. No trabalho, é comum termos que atingir metas relacionadas com nossa função: realizar um determinado número de consultas por dia, reduzir custos operacionais em 10%, atingir um determinado número de vendas, etc. Enfim, parece ser uma crença amplamente disseminada na sociedade a de que o estabelecimento de metas tem forte impacto sobre as nossas ações. Subjacente a esta crença está a visão de natureza humana segundo a qual somos seres prospectivos, orientados para o futuro e não apenas determinados pelo nosso passado.
As metas estão sob os holofotes há bastante tempo no mundo do trabalho e, consequentemente, na Psicologia Organizacional e do Trabalho. Taylor, aquele mesmo do “estudo dos tempos e dos movimentos”, já discutia a importância de metas para o desempenho dos trabalhadores. Mace também dedicou-se ao estudo do tema nos anos trinta. Contudo, especificamente para a psicologia do trabalho, é a partir da década de sessenta que os conhecimentos acerca do impacto das metas sobre o comportamento humano no trabalho alcançam uma maior sistematização. Neste período, aquilo que era um aglomerado de resultados, advindos de estudos isolados uns dos outros, passa a tomar forma de uma teoria.
A Teoria do Estabelecimento de Metas é, em geral, atribuída a Locke e Latham. Mas não se pode ignorar o fato de que o mérito destes autores foi, sobretudo, o de sintetizar resultados de estudos dispersos (incluindo os seus próprios) e torná-los um todo inteligível. Para não cometermos qualquer injustiça, podemos dizer também que a teoria enquadra-se numa perspectiva bem mais ampla acerca da motivação humana denominada abordagem dos processos de auto-regulação. Sob este rótulo, Kanfer e Bandura, por exemplo, deram grandes contribuições ao estudo dos efeitos das metas no comportamento.
Grosso modo, a Teoria do Estabelecimento de Metas supõe que grande parte do comportamento humano resulta de intenções e metas escolhidas pelos sujeitos. Assume também que o desempenho no trabalho é maior quando temos metas do que quando não as temos. Mas, de que forma isso acontece?
O raciocínio é relativamente simples: as metas direcionam os esforços do indivíduo, energizam suas ações, fomentam a persistência em tais ações e instiga o desenvolvimento de estratégias para resolução de tarefas. A motivação é influenciada por desafios tais como as metas altas – ou seja, metas de desempenho que apresentam relativa dificuldade – e metas específicas.
Aliás, essas são as duas evidências mais sólidas relativas à teoria:
a) objetivos ou metas específicas (ex. produzir dez peças em uma hora) resultam em maior desempenho do que metas vagas (ex. “faça o seu melhor”) e que
b) metas difíceis resultam em maior performance que metas consideradas fáceis.
Em outras palavras: mais vale estabelecer como meta perder um determinado número de quilos do que simplesmente dizer que quer emagrecer. E, além disso, mais vale tentar emagrecer 5kg do que 3kg.
É notável o prestígio deste corpo teórico. Mais de mil artigos na década de noventa trataram diretamente do tema. E esse prestígio não está apenas entre acadêmicos, mas também entre gestores. A teoria tem inspirado uma série de práticas gerenciais ao redor do mundo. A gestão por objetivos (Management By Objectives – MBO) é um exemplo de sistema de gestão forjado sobre o conhecimento acerca das metas. Entretanto, e como em tudo o que alcança este nível de prestígio, o lado perverso das metas não tardou em aparecer.
Há duas formas distintas de ver o lado perverso do estabelecimento de metas: a) uma que diz respeito ao uso errado que se faz das metas, por parte de gestores (o que, muitas vezes serve para justificar relações de trabalho desumanas e exploratórias) e b) outra que se refere aos efeitos colaterais próprios do estabelecimento de metas.
Como vimos em Herzberg, gestores têm uma tendência especial para filtrar de evidências empíricas aquilo que servem aos seus propósitos. Vêem determinados aspectos e ignoram outros e, não obstante, julgam suas ações como fiéis aplicações da teoria como um todo. Eis algumas das práticas que ilustram isso. É frenquente encontrarmos gestores que:
1. Ignoram o papel das aptidões e competências pessoais na consecução das metas (atribuindo metas que demandam uma qualificação superior àquela do empregado);
2. Ignoram a influência de fatores externos que dificultam ou mesmo inviabilizam a consecução das metas (mantendo uma meta de vendas fixa de um período a outro sem considerar a entrada de novos competidores ou as crises no setor em que o mesmo está inserido).
3. Muitas vezes embaçam a linha que separa o que é desafiador do que é impossível e, dessa forma, estabelecem metas absurdas para seus subordinados.
4. Apenas impõem as metas sem dar margem para negociação (embora a maior parte dos estudos não tenham encontrado diferenças entre os efeitos de metas impostas e de metas participadas sobre o desempenho, é possível que isto se deva a um aspecto cultural, já que a maior parte dos estudos foi realizada na América do Norte).
5. Ao mesmo tempo que estimulam a competição – quando, por exemplo vinculam promoções ao atingimento de metas – negligenciam a interdependência entre as tarefas dos empregados. Dessa forma geram um ambiente em que dificilmente haverá cooperação o que, por sua vez, levará à não-consecução das metas individuais.
Eu poderia listar ainda uma grande quantidade de distorções. Mas o essencial disto tudo é que estas formas selvagens de aplicação da teoria produzem precisamente o efeito contrário do que gestores inicialmente pretendem com programas de estabelecimento de metas. Aqui as metas passam a ser desmotivantes, estressantes, frustrantes, etc.
De qualquer forma, nesse caso não é a teoria em si que é afetada: afinal, os problemas supracitados são gerados pela deturpação das proposições teóricas de Locke e Latham.
Contudo, não podemos dizer o mesmo sobre o outro lado perverso do estabelecimento de metas. Este sim, constitui efeitos colaterais que a teoria não contempla mas que merece sua atenção. Um desses efeitos é muito simples: ao mesmo tempo que as metas estimulam o desempenho, estimulam também comportamentos anti-éticos. E aqui não cabe dizer que são as deturpações da teoria que o fazem. Não.
Num estudo recente (Schweitzer, Ordoñez & Douma, 2004), estudantes tinham que realizar uma tarefa de formação de palavras. Aos participantes de um grupo foi estabelecido uma meta para cada indivíduo. Em outro grupo os estudantes eram encorajados a “dar o seu melhor” na tarefa, sem uma meta específica. Por cada palavra formada a partir de um anagrama ganhava-se dinheiro. Aos sujeitos de ambos os grupos era dada a oportunidade de mentir sobre o número de palavras formadas.
Verificou-se que os indivíduos que não atingiram suas metas mais frequentemente mentiram que aqueles aos quais foi dito apenas pra “dar o seu melhor”. A probabilidade era maior ainda quando estes indivíduos deixaram de atingir suas metas por muito pouco. Esse é apenas um dos muitos estudos que tratam dos efeitos perversos das metas. Há outros que tratam, por exemplo, dos efeitos prejudiciais do comprometimento com uma meta inalcançável.
Podemos transpor os resultados deste experimento para nossa experiência de trabalho. Não julgo ser difícil lembrarmos de situações em que, para atingir suas metas, as pessoas fizeram de tudo. Tudo mesmo. Num mundo em que se valorizam chavões como a “proatividade”, a “competitividade”, a “orientação para o resultados”, não é surpresa ver que muitos pensam que os fins justificam os meios. E tal situação (parafraseando Camus) é apenas trágica se temos consciência da mesma. Muitos não têm. E orgulham-se disso. E assim o fazem porque são valorizados no seu meio justamente por isso.
Não sei, porém, se as metas geram comportamentos anti-éticos por si mesmas ou se, de fato, elas são apenas mais um instrumento de gestão que, inserido num contexto que favorece a o descaso com o outro e a relativização de valores na busca de resultados, terminará por levar a culpa sozinho.
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7/12/2008 - Excelente texto
Postado por Anônimo
Borba, excelente texto. bastante esclarecedor e bem fundamentado. Particularmente, penso q a meta é fundamental para alcançar os resultados. Agora, a meta deve ser possível de ser realizada numa relação entre o que eu tenho (capcidade intelectual, tempo etc.) e o que posso conseguir (resultado do investimento). outro ponto que considero importante, não é apenas a meta em si, mas como vc se organiza para alcançá-la. nesse sentido, atingir a meta sem planejamento adequado é difícil, especialmente as mais ambiciosas. colocar as metas e planejar as etapas (recursos, datas limites etc.) no papel/organograma é fundamental. visualizarmos literalmente as coisas, eu penso q é importante. sucesso na coluna e um abraço do compadre. Fábio.
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8/12/2008 - Commentário Sem Título
Postado por Anônimo
Meu amigo Fábio, Obrigado pelo comentário. Concordo com o que diz. Aproveito apenas para esclarecer algo que, ao reler o texto, imaginei que pudesse vir a causar algum mal-entendido. Resolvi me antecipar. Quando falo que os gestores filtram as informações sobre uma ou outra teoria para aplicá-la da forma que melhor servir aos seus interesses, não estou me referindo a um processo necessariamente consciente. Isso im****ria aos gestores uma "maldade" que, quero crer, não existe na maior parte das situações. A seleção das informações é um processo absolutamente corrente para nós todos. É, aliás, necessário que façamos isso diariamente em nome da nossa "saúde cognitiva". Portanto não se trata de ação deliberada. Até porque as distorções que fazem da teoria do estabelecimento de metas é que fazem com que estes não consigam bons resultados com seus subordinados. era isso grande abraço, Diogo
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8/12/2008 - Metas escravocatas
Postado por Anônimo
Diogo Parabéns pelo excelente artigo. Fizestes um ampla abordagem do assunto, sem no entanto aprofunda-lo. O que está correto. Dá-se apenas os motes. Senão o blog viraria uma "aula on line" , o que não é a meta do mesmo. Gostaria que emitisse sua opinião sobre o que chamo, conhecço na prática e ví, de metas escravocatas. Darei um exemplo que acontece com frequencia com a indústria de confecção de fundo de quintal e de "grandes grifes", aqui em mossoró, especificamente quando havia a fábrica da Guararapes, mas que serve para cortadores de castanha, empacotadores de sal etc. Uma costureira com 10 anos de profissão faz em média 300 colarihos de camisa/dia. Meta - dobrar todo dia durante todo o mês. Se falhar um dia no perído perde a comissão. Evolução - A costureira vai levar um mês para conseguir dobrar ( todas que passarem de 300 mais não alcarem as 600, fica para o dono da fábrica. Quando atinge as 600 terá que mante-las, como já foi dito. Qualquer acidente de percurso ( doença, morte de parente etc) que a faça perder um só dia de trabalho e não chegar à meta ( todos os dia utéis de trabalho) ela perde tudo. Nada mais a comentar desculpe se me alonguei. ISTO È UMA COISA REAL> não é lendia e nem fricção como diz Zé Lezin. Sei que é uma aborbadem mais trabalhista que científica, mas gostaria que falasse um pouco sobre o caso e sua implicações na ótica organizacional Joel Borba
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8/12/2008 - Metas Escravocratas
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Quando descreveu a situação no comentário sobre as metas escravocratas a primeira coisa que me veio a cabeça foi a inglaterra do século XIX. A situação das costureiras pode ser comparada, guardadas as devidas proporções, àquela dos trabalhadores da indústria inglesa no começo da revolução industrial. A sensação de absurdo é a mesma que temos ao ler a descrição e discussão exaustiva que Marx faz da evolução das leis fabris na europa do século XIX. Ou seja, aqui não se trata de distorções da teoria por parte dos gestores, apesar da semelhança com algumas daquelas listadas. No caso das costureiras o fato de que os gestores tenham recorrido às metas passa muito pouco pela noção de que as metas de desempenho possam ser estimulantes, motivantes. Trata-se, acho eu, de exploração no sentido mais claro do termo. Pouco interessa o bem-estar do trabalhador e nada se investe na promoção de uma relação saudável e significativa entre o trabalhador e seu trabalho. Pelo contrário. Portanto não caberia dizer que o gestor em questão estivesse interessado em gerir pessoas mas simplesmente em conseguir resultados a curto prazo. Agora, não sei de que época estamos falando, mas isso acontece ainda na China, no Brasil, em Honduras, e por aí vai. Muitas vezes em fábricas que produzem produtos para marcas de renome (se alguém pensou em Nike não fui eu quem disse..ehehehe). O que favorece ações deste tipo não são apenas culturais (na medida em que muitas populações as relações exploratórias ainda são tacitamente aceitas) mas principalmente econômicas: num contexto de desemprego estrutural a costureira lá pode ser vista como força de trabalho descartável. Se ela não concorda com as condições precárias que você descreveu, há muitas que o farão. As metas nesse contexto apenas integram um sistema de consequências absolutamente voltado para a punição.
As metas estão sob os holofotes há bastante tempo no mundo do trabalho e, consequentemente, na Psicologia Organizacional e do Trabalho. Taylor, aquele mesmo do “estudo dos tempos e dos movimentos”, já discutia a importância de metas para o desempenho dos trabalhadores. Mace também dedicou-se ao estudo do tema nos anos trinta. Contudo, especificamente para a psicologia do trabalho, é a partir da década de sessenta que os conhecimentos acerca do impacto das metas sobre o comportamento humano no trabalho alcançam uma maior sistematização. Neste período, aquilo que era um aglomerado de resultados, advindos de estudos isolados uns dos outros, passa a tomar forma de uma teoria.
A Teoria do Estabelecimento de Metas é, em geral, atribuída a Locke e Latham. Mas não se pode ignorar o fato de que o mérito destes autores foi, sobretudo, o de sintetizar resultados de estudos dispersos (incluindo os seus próprios) e torná-los um todo inteligível. Para não cometermos qualquer injustiça, podemos dizer também que a teoria enquadra-se numa perspectiva bem mais ampla acerca da motivação humana denominada abordagem dos processos de auto-regulação. Sob este rótulo, Kanfer e Bandura, por exemplo, deram grandes contribuições ao estudo dos efeitos das metas no comportamento.
Grosso modo, a Teoria do Estabelecimento de Metas supõe que grande parte do comportamento humano resulta de intenções e metas escolhidas pelos sujeitos. Assume também que o desempenho no trabalho é maior quando temos metas do que quando não as temos. Mas, de que forma isso acontece?
O raciocínio é relativamente simples: as metas direcionam os esforços do indivíduo, energizam suas ações, fomentam a persistência em tais ações e instiga o desenvolvimento de estratégias para resolução de tarefas. A motivação é influenciada por desafios tais como as metas altas – ou seja, metas de desempenho que apresentam relativa dificuldade – e metas específicas.
Aliás, essas são as duas evidências mais sólidas relativas à teoria:
a) objetivos ou metas específicas (ex. produzir dez peças em uma hora) resultam em maior desempenho do que metas vagas (ex. “faça o seu melhor”) e que
b) metas difíceis resultam em maior performance que metas consideradas fáceis.
Em outras palavras: mais vale estabelecer como meta perder um determinado número de quilos do que simplesmente dizer que quer emagrecer. E, além disso, mais vale tentar emagrecer 5kg do que 3kg.
É notável o prestígio deste corpo teórico. Mais de mil artigos na década de noventa trataram diretamente do tema. E esse prestígio não está apenas entre acadêmicos, mas também entre gestores. A teoria tem inspirado uma série de práticas gerenciais ao redor do mundo. A gestão por objetivos (Management By Objectives – MBO) é um exemplo de sistema de gestão forjado sobre o conhecimento acerca das metas. Entretanto, e como em tudo o que alcança este nível de prestígio, o lado perverso das metas não tardou em aparecer.
Há duas formas distintas de ver o lado perverso do estabelecimento de metas: a) uma que diz respeito ao uso errado que se faz das metas, por parte de gestores (o que, muitas vezes serve para justificar relações de trabalho desumanas e exploratórias) e b) outra que se refere aos efeitos colaterais próprios do estabelecimento de metas.
Como vimos em Herzberg, gestores têm uma tendência especial para filtrar de evidências empíricas aquilo que servem aos seus propósitos. Vêem determinados aspectos e ignoram outros e, não obstante, julgam suas ações como fiéis aplicações da teoria como um todo. Eis algumas das práticas que ilustram isso. É frenquente encontrarmos gestores que:
1. Ignoram o papel das aptidões e competências pessoais na consecução das metas (atribuindo metas que demandam uma qualificação superior àquela do empregado);
2. Ignoram a influência de fatores externos que dificultam ou mesmo inviabilizam a consecução das metas (mantendo uma meta de vendas fixa de um período a outro sem considerar a entrada de novos competidores ou as crises no setor em que o mesmo está inserido).
3. Muitas vezes embaçam a linha que separa o que é desafiador do que é impossível e, dessa forma, estabelecem metas absurdas para seus subordinados.
4. Apenas impõem as metas sem dar margem para negociação (embora a maior parte dos estudos não tenham encontrado diferenças entre os efeitos de metas impostas e de metas participadas sobre o desempenho, é possível que isto se deva a um aspecto cultural, já que a maior parte dos estudos foi realizada na América do Norte).
5. Ao mesmo tempo que estimulam a competição – quando, por exemplo vinculam promoções ao atingimento de metas – negligenciam a interdependência entre as tarefas dos empregados. Dessa forma geram um ambiente em que dificilmente haverá cooperação o que, por sua vez, levará à não-consecução das metas individuais.
Eu poderia listar ainda uma grande quantidade de distorções. Mas o essencial disto tudo é que estas formas selvagens de aplicação da teoria produzem precisamente o efeito contrário do que gestores inicialmente pretendem com programas de estabelecimento de metas. Aqui as metas passam a ser desmotivantes, estressantes, frustrantes, etc.
De qualquer forma, nesse caso não é a teoria em si que é afetada: afinal, os problemas supracitados são gerados pela deturpação das proposições teóricas de Locke e Latham.
Contudo, não podemos dizer o mesmo sobre o outro lado perverso do estabelecimento de metas. Este sim, constitui efeitos colaterais que a teoria não contempla mas que merece sua atenção. Um desses efeitos é muito simples: ao mesmo tempo que as metas estimulam o desempenho, estimulam também comportamentos anti-éticos. E aqui não cabe dizer que são as deturpações da teoria que o fazem. Não.
Num estudo recente (Schweitzer, Ordoñez & Douma, 2004), estudantes tinham que realizar uma tarefa de formação de palavras. Aos participantes de um grupo foi estabelecido uma meta para cada indivíduo. Em outro grupo os estudantes eram encorajados a “dar o seu melhor” na tarefa, sem uma meta específica. Por cada palavra formada a partir de um anagrama ganhava-se dinheiro. Aos sujeitos de ambos os grupos era dada a oportunidade de mentir sobre o número de palavras formadas.
Verificou-se que os indivíduos que não atingiram suas metas mais frequentemente mentiram que aqueles aos quais foi dito apenas pra “dar o seu melhor”. A probabilidade era maior ainda quando estes indivíduos deixaram de atingir suas metas por muito pouco. Esse é apenas um dos muitos estudos que tratam dos efeitos perversos das metas. Há outros que tratam, por exemplo, dos efeitos prejudiciais do comprometimento com uma meta inalcançável.
Podemos transpor os resultados deste experimento para nossa experiência de trabalho. Não julgo ser difícil lembrarmos de situações em que, para atingir suas metas, as pessoas fizeram de tudo. Tudo mesmo. Num mundo em que se valorizam chavões como a “proatividade”, a “competitividade”, a “orientação para o resultados”, não é surpresa ver que muitos pensam que os fins justificam os meios. E tal situação (parafraseando Camus) é apenas trágica se temos consciência da mesma. Muitos não têm. E orgulham-se disso. E assim o fazem porque são valorizados no seu meio justamente por isso.
Não sei, porém, se as metas geram comportamentos anti-éticos por si mesmas ou se, de fato, elas são apenas mais um instrumento de gestão que, inserido num contexto que favorece a o descaso com o outro e a relativização de valores na busca de resultados, terminará por levar a culpa sozinho.
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7/12/2008 - Excelente texto
Postado por Anônimo
Borba, excelente texto. bastante esclarecedor e bem fundamentado. Particularmente, penso q a meta é fundamental para alcançar os resultados. Agora, a meta deve ser possível de ser realizada numa relação entre o que eu tenho (capcidade intelectual, tempo etc.) e o que posso conseguir (resultado do investimento). outro ponto que considero importante, não é apenas a meta em si, mas como vc se organiza para alcançá-la. nesse sentido, atingir a meta sem planejamento adequado é difícil, especialmente as mais ambiciosas. colocar as metas e planejar as etapas (recursos, datas limites etc.) no papel/organograma é fundamental. visualizarmos literalmente as coisas, eu penso q é importante. sucesso na coluna e um abraço do compadre. Fábio.
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8/12/2008 - Commentário Sem Título
Postado por Anônimo
Meu amigo Fábio, Obrigado pelo comentário. Concordo com o que diz. Aproveito apenas para esclarecer algo que, ao reler o texto, imaginei que pudesse vir a causar algum mal-entendido. Resolvi me antecipar. Quando falo que os gestores filtram as informações sobre uma ou outra teoria para aplicá-la da forma que melhor servir aos seus interesses, não estou me referindo a um processo necessariamente consciente. Isso im****ria aos gestores uma "maldade" que, quero crer, não existe na maior parte das situações. A seleção das informações é um processo absolutamente corrente para nós todos. É, aliás, necessário que façamos isso diariamente em nome da nossa "saúde cognitiva". Portanto não se trata de ação deliberada. Até porque as distorções que fazem da teoria do estabelecimento de metas é que fazem com que estes não consigam bons resultados com seus subordinados. era isso grande abraço, Diogo
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8/12/2008 - Metas escravocatas
Postado por Anônimo
Diogo Parabéns pelo excelente artigo. Fizestes um ampla abordagem do assunto, sem no entanto aprofunda-lo. O que está correto. Dá-se apenas os motes. Senão o blog viraria uma "aula on line" , o que não é a meta do mesmo. Gostaria que emitisse sua opinião sobre o que chamo, conhecço na prática e ví, de metas escravocatas. Darei um exemplo que acontece com frequencia com a indústria de confecção de fundo de quintal e de "grandes grifes", aqui em mossoró, especificamente quando havia a fábrica da Guararapes, mas que serve para cortadores de castanha, empacotadores de sal etc. Uma costureira com 10 anos de profissão faz em média 300 colarihos de camisa/dia. Meta - dobrar todo dia durante todo o mês. Se falhar um dia no perído perde a comissão. Evolução - A costureira vai levar um mês para conseguir dobrar ( todas que passarem de 300 mais não alcarem as 600, fica para o dono da fábrica. Quando atinge as 600 terá que mante-las, como já foi dito. Qualquer acidente de percurso ( doença, morte de parente etc) que a faça perder um só dia de trabalho e não chegar à meta ( todos os dia utéis de trabalho) ela perde tudo. Nada mais a comentar desculpe se me alonguei. ISTO È UMA COISA REAL> não é lendia e nem fricção como diz Zé Lezin. Sei que é uma aborbadem mais trabalhista que científica, mas gostaria que falasse um pouco sobre o caso e sua implicações na ótica organizacional Joel Borba
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8/12/2008 - Metas Escravocratas
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Quando descreveu a situação no comentário sobre as metas escravocratas a primeira coisa que me veio a cabeça foi a inglaterra do século XIX. A situação das costureiras pode ser comparada, guardadas as devidas proporções, àquela dos trabalhadores da indústria inglesa no começo da revolução industrial. A sensação de absurdo é a mesma que temos ao ler a descrição e discussão exaustiva que Marx faz da evolução das leis fabris na europa do século XIX. Ou seja, aqui não se trata de distorções da teoria por parte dos gestores, apesar da semelhança com algumas daquelas listadas. No caso das costureiras o fato de que os gestores tenham recorrido às metas passa muito pouco pela noção de que as metas de desempenho possam ser estimulantes, motivantes. Trata-se, acho eu, de exploração no sentido mais claro do termo. Pouco interessa o bem-estar do trabalhador e nada se investe na promoção de uma relação saudável e significativa entre o trabalhador e seu trabalho. Pelo contrário. Portanto não caberia dizer que o gestor em questão estivesse interessado em gerir pessoas mas simplesmente em conseguir resultados a curto prazo. Agora, não sei de que época estamos falando, mas isso acontece ainda na China, no Brasil, em Honduras, e por aí vai. Muitas vezes em fábricas que produzem produtos para marcas de renome (se alguém pensou em Nike não fui eu quem disse..ehehehe). O que favorece ações deste tipo não são apenas culturais (na medida em que muitas populações as relações exploratórias ainda são tacitamente aceitas) mas principalmente econômicas: num contexto de desemprego estrutural a costureira lá pode ser vista como força de trabalho descartável. Se ela não concorda com as condições precárias que você descreveu, há muitas que o farão. As metas nesse contexto apenas integram um sistema de consequências absolutamente voltado para a punição.
Herzberg revisitado
Frederick Herzberg nasceu nos estado de Massachusetts, nos Estados Unidos em 1923. Foi consultor empresarial e professor até sua morte em janeiro do ano 2000. Como psicólogo do trabalho, suas idéias influenciaram muitas práticas de gestão de pessoas. Apenas para ilustrar sua importância na área dos recursos humanos, seu polêmico artigo “One more time: how do you motivate employees?” (Herzberg, 1968) é o recordista de reimpressões da Harvard Business Review. Apesar de também ter sido alvo de inúmeras críticas é impossível negar o conteúdo revolucionário do trabalho publicado em 1959, onde apresentou – em conjunto com os colegas Mausner e Snyderman – as bases da teoria que veio a ser conhecida posteriomente como a teoria dos dois fatores. Vejamos brevemente em que consiste a tal teoria bifatorial referente à satisfação e à motivação no trabalho.
Depois de reunir entrevistas com diversos profissionais utilizando a Técnica de Incidentes Críticos, Herzberg conseguiu identificar alguns padrões. Ele analisou os discursos acerca de situações em que profissionais haviam experienciado extrema satisfação no trabalho e/ou haviam alcançado altos níveis de desempenho e identifocou os fatores que mais eram mencionados. Nestas situações o desempenho e/ou a satisfação estavam associados a um grupo particular de aspectos. Chamou-os então factores motivadores (motivators). Ei-los:
Realização (achievement)
Reconhecimento
Responsabilidade
Tarefas variadas, interessantes ou desafiadoras
Crescimento ou promoção.
Por outro lado, ele identificou um outro grupo de fatores presentes com maior frequência em descrições de situações de extrema insatisfação no trabalho e/ou de baixos níveis de desempenho. Chamou-os fatores higiêncicos – em referência ao conceito de higiene mental, caro à psiquiatria. São eles:
Políticas organizacionais
Supervisão
Condições de trabalho
Relações com os colegas de trabalho
Remuneração.
Uma diferença entre os dois grupos logo salta aos olhos. Enquanto os fatores motivadores estão relacionados com o trabalho em si, os fatores higiênicos referem-se sobretudo ao ambiente em que o trabalho toma lugar. Mas há uma característica ainda mais óbvia, cuja constatação levou Herzberg a formular sua mais revolucionária proposição teórica: os fatores envolvidos numa situação não são os mesmos encontrados na outra..
Ora, se os fatores observados em situações positivas não foram os mesmos daqueles encontrados nos relatos de situações negativas, satisfação e insatisfação não constituíam pólos opostos de um mesmo continuum. Isso significa confrontar a idéia, à época amplamente aceita, de que, se um determinado fator – tido como gerador de satisfação – estivesse ausente, tal situação acarretaria insatisfação para um indivíduo. Ao contrário, a satisfação e a insatisfação estão associadas a fatores diferentes. Neste sentido, péssimas condições de trabalho podem gerar insatisfação, mas ótimas condições de trabalho não necessariamente geram satisfação.
Dois aspectos da teoria de Herzberg foram fruto de mal-entendidos, simplicações e, consequentemente más aplicações práticas de sua teoria. Primeiro, ao assumir que a remuneração é um aspecto que não necessariamente motiva os trabalhadores um gestor poderia relegar ao salário um lugar pouco prioritário e assim justificar “cientificamente” remunerações injustas. Contudo, Herzberg deixa explícito que a remuneração pode sim motivar pessoas, mas durante um curto período de tempo. Após um certo tempo (como acontece com os outros fatores chamados higiênicos) o salário é tomado como algo garantido e perde seu poder de motivar. Porém, antes de mais nada, o salário assim como os outros higiênicos, podem impedir o surgimento de insatisfação. Um salário percebido como injusto provavelmente acarretará insatisfação e, consequentemente desmotivar o trabalhador para o exercício de suas funções. Portanto, é inadequado julgar-se inspirado pelas teoria bifatorial e atribuir pouca importância ao salário ao mesmo tempo.
A segunda fonte de ambiguidade diz respeito ao termo responsabilidade (tido como fator de motivação). Herzberg não concebeu responsabilidade como a simples escolha de atribuir a um trabalhador a completa execução de tarefas. Responsabilidade enquanto fator motivador envolve controle sobre recursos necessários à execução das tarefas, autoridade para comunicar (diretamente com clientes, por exemplo) e controle sobre agenda de atividades. Ou seja, trata-se de fornecer ao trabalhador muito mais do que a simples possibilidade de receber os louros do sucesso ou ser o bode expiatório. Responsabilidade sem autonomia não motiva, apenas frustra. Não obstante, muitos administradores parecem ter esquecido de considerar tais detalhes e ao invés de atribuir reponsabilidades a um cargo, responsabilizaram pessoas pelos sucesso e fracassos de tarefas sobre as quais os mesmos não tinham pleno controle.
Logo em seguida à publicação de seu livro em 1959, muitos autores buscaram verificar empiricamente suas proposições teóricas. A maior parte delas não confirmou a estrutura fatorial sugerida, o que gerou inúmeras críticas no meio acadêmico. Está claro porém que muitos desses resultados foram frutos de viéses metodológicos. Com novos recursos e buscando suprir falhas de investigações anteriores, Basset-Jones e Lloyd (2005) puseram novamente à prova a teoria bifactorial. Os resultados proporcionaram suporte parcial às ideias de Herzberg uma vez que, por exemplo, o salário não apareceu como fonte de motivação e sim como fator higiênico.
Porém, há uma crítica contra a qual dificilmente podemos encontrar argumentos. Victor Vroom, já em 1964, sugeriu que os resultados encontrados por Herzberg foram na verdade “causados” pela metodologia aplicada: entrevistas semi-estruturadas. De acordo com este raciocínio, é natural que os indivíduos frente a uma outra pessoa (entrevistador) tenderão a apresentar relatos de sucesso associados a suas próprias virtudes (e ao seu trabalho) e, em contrapartida, deverá atribuir situações negativas a causas externas aos mesmos e às suas tarefas. Padrão semelhante foi mais tarde reconhecido em outra teoria motivacional (Teoria da Atribuição de Wiener). Portanto, no cerne desta linha argumentativa está a idéia de que a desejabilidade social e mecanismos de defesa do ego foram afinal os responsáveis pelos resultados encontrados na pesquisa.
Independente das críticas que sofreu, a teoria de Herzberg tem grande apelo intuitivo e parece ainda influenciar ações de administradores. Afinal, se muitos acreditam no poder motivacional do enriquecimento de cargos muito se deve à alegação da teoria bifatorial, segundo a qual o trabalho em si é a principal fonte de motivação dos empregados. Ademais, não se pode negar o valor de sua teoria enquanto marco da psicologia do trabalho independentemente da impossibilidade de uma apreciação segura de sua validade científica. O valor de uma teoria não se resume apenas à comprovação empírica (esta então longe da verdade absoluta) mas inclui também o seu valor enquanto discurso que influencia práticas cotidianas e que forma visões acerca do trabalho e dos trabalhadores. Não há manual de psicologia do trabalho que ignore Herzberg apesar de, em muitos destes livros, sua teoria ser apresentada envolta numa aura de anacronismo. Herzberg continua relevante e merece, sim, ser visitado de vez quando!
Sem mais pra falar (bem ou mal) deixo Herzberg, o próprio, brevemente explicar em vídeo aquilo que tentei fazer em duas páginas.
Parte1:http://youtube.com/watch?v=o87s-2YtG4Y Parte 2: http://youtube.com/watch?v=gtYi4102OvU
Depois de reunir entrevistas com diversos profissionais utilizando a Técnica de Incidentes Críticos, Herzberg conseguiu identificar alguns padrões. Ele analisou os discursos acerca de situações em que profissionais haviam experienciado extrema satisfação no trabalho e/ou haviam alcançado altos níveis de desempenho e identifocou os fatores que mais eram mencionados. Nestas situações o desempenho e/ou a satisfação estavam associados a um grupo particular de aspectos. Chamou-os então factores motivadores (motivators). Ei-los:
Realização (achievement)
Reconhecimento
Responsabilidade
Tarefas variadas, interessantes ou desafiadoras
Crescimento ou promoção.
Por outro lado, ele identificou um outro grupo de fatores presentes com maior frequência em descrições de situações de extrema insatisfação no trabalho e/ou de baixos níveis de desempenho. Chamou-os fatores higiêncicos – em referência ao conceito de higiene mental, caro à psiquiatria. São eles:
Políticas organizacionais
Supervisão
Condições de trabalho
Relações com os colegas de trabalho
Remuneração.
Uma diferença entre os dois grupos logo salta aos olhos. Enquanto os fatores motivadores estão relacionados com o trabalho em si, os fatores higiênicos referem-se sobretudo ao ambiente em que o trabalho toma lugar. Mas há uma característica ainda mais óbvia, cuja constatação levou Herzberg a formular sua mais revolucionária proposição teórica: os fatores envolvidos numa situação não são os mesmos encontrados na outra..
Ora, se os fatores observados em situações positivas não foram os mesmos daqueles encontrados nos relatos de situações negativas, satisfação e insatisfação não constituíam pólos opostos de um mesmo continuum. Isso significa confrontar a idéia, à época amplamente aceita, de que, se um determinado fator – tido como gerador de satisfação – estivesse ausente, tal situação acarretaria insatisfação para um indivíduo. Ao contrário, a satisfação e a insatisfação estão associadas a fatores diferentes. Neste sentido, péssimas condições de trabalho podem gerar insatisfação, mas ótimas condições de trabalho não necessariamente geram satisfação.
Dois aspectos da teoria de Herzberg foram fruto de mal-entendidos, simplicações e, consequentemente más aplicações práticas de sua teoria. Primeiro, ao assumir que a remuneração é um aspecto que não necessariamente motiva os trabalhadores um gestor poderia relegar ao salário um lugar pouco prioritário e assim justificar “cientificamente” remunerações injustas. Contudo, Herzberg deixa explícito que a remuneração pode sim motivar pessoas, mas durante um curto período de tempo. Após um certo tempo (como acontece com os outros fatores chamados higiênicos) o salário é tomado como algo garantido e perde seu poder de motivar. Porém, antes de mais nada, o salário assim como os outros higiênicos, podem impedir o surgimento de insatisfação. Um salário percebido como injusto provavelmente acarretará insatisfação e, consequentemente desmotivar o trabalhador para o exercício de suas funções. Portanto, é inadequado julgar-se inspirado pelas teoria bifatorial e atribuir pouca importância ao salário ao mesmo tempo.
A segunda fonte de ambiguidade diz respeito ao termo responsabilidade (tido como fator de motivação). Herzberg não concebeu responsabilidade como a simples escolha de atribuir a um trabalhador a completa execução de tarefas. Responsabilidade enquanto fator motivador envolve controle sobre recursos necessários à execução das tarefas, autoridade para comunicar (diretamente com clientes, por exemplo) e controle sobre agenda de atividades. Ou seja, trata-se de fornecer ao trabalhador muito mais do que a simples possibilidade de receber os louros do sucesso ou ser o bode expiatório. Responsabilidade sem autonomia não motiva, apenas frustra. Não obstante, muitos administradores parecem ter esquecido de considerar tais detalhes e ao invés de atribuir reponsabilidades a um cargo, responsabilizaram pessoas pelos sucesso e fracassos de tarefas sobre as quais os mesmos não tinham pleno controle.
Logo em seguida à publicação de seu livro em 1959, muitos autores buscaram verificar empiricamente suas proposições teóricas. A maior parte delas não confirmou a estrutura fatorial sugerida, o que gerou inúmeras críticas no meio acadêmico. Está claro porém que muitos desses resultados foram frutos de viéses metodológicos. Com novos recursos e buscando suprir falhas de investigações anteriores, Basset-Jones e Lloyd (2005) puseram novamente à prova a teoria bifactorial. Os resultados proporcionaram suporte parcial às ideias de Herzberg uma vez que, por exemplo, o salário não apareceu como fonte de motivação e sim como fator higiênico.
Porém, há uma crítica contra a qual dificilmente podemos encontrar argumentos. Victor Vroom, já em 1964, sugeriu que os resultados encontrados por Herzberg foram na verdade “causados” pela metodologia aplicada: entrevistas semi-estruturadas. De acordo com este raciocínio, é natural que os indivíduos frente a uma outra pessoa (entrevistador) tenderão a apresentar relatos de sucesso associados a suas próprias virtudes (e ao seu trabalho) e, em contrapartida, deverá atribuir situações negativas a causas externas aos mesmos e às suas tarefas. Padrão semelhante foi mais tarde reconhecido em outra teoria motivacional (Teoria da Atribuição de Wiener). Portanto, no cerne desta linha argumentativa está a idéia de que a desejabilidade social e mecanismos de defesa do ego foram afinal os responsáveis pelos resultados encontrados na pesquisa.
Independente das críticas que sofreu, a teoria de Herzberg tem grande apelo intuitivo e parece ainda influenciar ações de administradores. Afinal, se muitos acreditam no poder motivacional do enriquecimento de cargos muito se deve à alegação da teoria bifatorial, segundo a qual o trabalho em si é a principal fonte de motivação dos empregados. Ademais, não se pode negar o valor de sua teoria enquanto marco da psicologia do trabalho independentemente da impossibilidade de uma apreciação segura de sua validade científica. O valor de uma teoria não se resume apenas à comprovação empírica (esta então longe da verdade absoluta) mas inclui também o seu valor enquanto discurso que influencia práticas cotidianas e que forma visões acerca do trabalho e dos trabalhadores. Não há manual de psicologia do trabalho que ignore Herzberg apesar de, em muitos destes livros, sua teoria ser apresentada envolta numa aura de anacronismo. Herzberg continua relevante e merece, sim, ser visitado de vez quando!
Sem mais pra falar (bem ou mal) deixo Herzberg, o próprio, brevemente explicar em vídeo aquilo que tentei fazer em duas páginas.
Parte1:http://youtube.com/watch?v=o87s-2YtG4Y Parte 2: http://youtube.com/watch?v=gtYi4102OvU
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