sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Vítimas do Groupthink

O livro de Irving Janis “Victims of Groupthink”, publicado na década de 70, popularizou em definitivo o conceito de groupthink no meio acadêmico e no universo da gestão. A acessibilidade de seu conteúdo foi especialmente importante para a disseminação do termo no público em geral. Além da forma coloquial de expor suas análises, a escolha de Janis de discutir casos famosos da história norte-americana sob a ótica do groupthink tornou o livro bastante atrativo.

Casos como a invasão na Baía dos Porcos coordenada clandestinamente pela CIA, a explosão do ônibus espacial Challenger, o caso Watergate, a crise dos mísseis em Cuba, fazem parte da história e povoam o imaginário norte-americano e mundial.

O Pensamento de Grupo, como alguns traduzem o termo para o português, é um conceito que caracteriza uma determinada situação onde as pressões para a conformidade ao grupo e a busca pela manutenção da coesão grupal resultam em depreciação da capacidade do grupo de tomar decisões eficazes.

O caso da explosão da Challenger tem sido bastante explorado como exemplo clássico de groupthink. Na ocasião um problema no anel de vedação de combustível foi subestimado pelos maiores especialistas em engenharia, não apenas da NASA mas da empresa que projetou a espaçonave, e esse fato levou a um trágico vôo de 70 segundos ocasionando a morte dos sete astronautas da tripulação.

O conceito de groupthink ajuda-nos a compreender como um grupo de pessoas extremamente capazes toma uma decisão trágica mesmo quando todas as evidências de risco são claras.

No livro supracitado, Janis ilustra as principais características do groupthink com elementos dos processos de tomada de decisão no caso da Challenger (cito apenas alguns a título de ilustração):

Ilusão de Invulnerabilidade – Ao ser questionado por um dos engenheiros projetistas acerca do risco de lançar a Challenger nas condições adversas de então, um dos diretores da NASA afirmou, cinicamente, que o tal risco era o mesmo que eles tiveram nos outros inúmeros (e bem sucedidos) lançamentos. Nas entrelinhas do discurso lemos que a NASA, ou aquele grupo em especial, sentia-se inatingível, invulnerável ao erro e ao engano.

Pressão sobre a dissidência – Um dos engenheiros projetistas afirmou que, uma vez que os anéis nunca haviam sido testados em temperatura tão baixa, o lançamento deveria ser adiado até que o clima fosse favorável. A resposta de um dos diretores da NASA, endossada pelos presentes, foi seca e sarcástica: “O senhor realmente espera que a NASA aguarde até abril para fazer esse lançamento?”. Há diferentes formas de censura dentro dos grupos. Em muitas equipes de trabalho os dissidentes são sistemática e sutilmente ridicularizados. Logo recebem rótulos como “advogado do diabo” ou “do contra”. Opiniões contrárias àquela inicialmente aceita pelo grupo são analisadas superficialmente para logo serem rejeitadas. Toda essa dinâmica é criada num grupo imaturo, geralmente onde a liderança é passiva. A caça às bruxas serve à manutenção do bem estar psíquico do grupo pelo caminho mais curto. Ou seja, ao designar bodes expiatórios e rotular pessoas com opiniões contrárias o grupo evita conflitos e desgastes porque os entende como ameaças à sua própria integridade.

Auto-censura – O grupo estava se posicionando claramente a favor do lançamento na data prevista. Estava claro também que as posições contrárias não eram bem vistas pelo grupo. Nessa dinâmica, mesmo quando as posições contrárias são expostas, isso é feito de maneira a evitar o confronto. Por exemplo, na última videoconferência um dos engenheiros, que tentava defender uma posição contrária, nunca chegou a afirmar categoricamente que o lançamento não deveria acontecer porque o risco de mal funcionamento do anel de vedação era muito alto. Ele demonstrou a sua posição de uma maneira muito menos contundente: “temperaturas baixas podem estar associadas a mal funcionamento do anel de vedação”. Dessa forma ele tentou satisfazer a sua necessidade de colocar o problema mas o fez de uma forma que o grupo não fosse confrontado. A atmosfera definitivamente não era favorável a posicionamentos assertivos e contundentes em sentido contrário ao que o grupo havia escolhido.

Essência do groupthink

O livro analisa de maneira muito mais aprofundada cada uma das características associadas ao groupthink destacando como cada uma delas implica dificuldades para o processo decisório. Contudo, a idéia nuclear que perpassa todo o texto é de que não apenas a tomada de decisão individual sofre seus viéses.

A decisão em grupo pode ser bastante irracional independente do conhecimento individual de cada um de seus membros sobre o assunto em questão. Isso porque a busca pela coesão pode comprometer a busca por informações e a análise das alternativas disponíveis, processos essenciais para a tomada de decisão.

Ademais, Janis deixa claro que a capacidade de um grupo para tomar decisões adequadamente está condicionada à influência de alguns aspectos de sua dinâmica interna (liderança, características pessoais, cultura, fase de desenvolvimento do grupo, gestão de conflitos, etc.) aliados a algumas condições externas (pressões externas como prazos, hostilidade inter-grupos, etc.)

O conceito de groupthink constitui então uma ressalva ao famoso dito popular segundo o qual “duas cabeças pensam melhor que uma”. Ele nos revela os caminhos escusos que um grupo pode tomar no decorrer do processo decisório, o que, por vezes, faz com que o potencial de seus membros não seja aproveitado.

Ainda, o groupthink ajuda-nos a compreender que o grupo é uma entidade absolutamente diferente da soma de suas partes/membros. Logo, fica-nos claro que o pressuposto de adição de capacidades, implícito em nosso dito popular, nem sempre pode se materializar. Nesse sentido, falar em groupthink é um pouco afastar-se do dito e aproximar-se de Nelson Rodrigues, segundo o qual, toda unanimidade é burra (um tanto radical,mas enfim...).

Groupthink como lentes de análise

Sempre que um conceito se populariza com tamanha intensidade alguns problemas se apresentam. No caso do groupthink, o conceito em si não tem sofrido grandes alterações. A interpretação do mesmo também parece consistente ao longo dos anos. Contudo, as proposições teóricas de Janis são amplamente aceitas independente da quantidade esparsa de pesquisas robustas desenhadas para verificação de sua ocorrência.

O que ocorre amiúde é a aceitação acrítica do conceito. Assume-se que o fenômeno é real tal qual foi definido por Janis. Os estudos geralmente reduzem-se a análises retrospectivas de casos sob a ótica das proposições. Ora, se é verdade que quem procura acha, a “descoberta” de casos de groupthink utilizando essa metodologia não deveria servir de argumento para a ratificação de seu caráter de fenômeno real.

Mesmo nos casos relatados por Janis, há uma série de elementos que podem ser analisados sob outra ótica de maneira igualmente produtiva. Da mesma forma que o evento da Challenger pode ser interpretados em termos de groupthink, poderia também ser discutido à luz das teorias acerca das relações de poder nas organizações, da liderança, da cultura organizacional, ou outro ponto de vista qualquer. Essas abordagens certamente atentarão para elementos importantes do processo que não constituem foco de atenção para o pesquisador que apenas procura groupthink.

Na ausência de pesquisas que aprofundam o conceito, verificam a adequação do mesmo em termos de compreensão da realidade grupal, julgo que o melhor a fazer é utilizá-lo da melhor forma possível: encarando-o como um conjunto de proposições que apenas ajudam a traduzir uma realidade extremamente complexa em algo inteligível, realçando alguns elementos em detrimento de outros mas que não esgota a realidade observada.




Achei poucas coisas na net sobre Pensamento de grupo em português. A coluna de Thomaz Wood Jr., cujo link encontra-se abaixo, é excelente.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4044

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