A minha avó não foi a primeira mulher a votar nem a primeira a assumir um cargo público. Não foi símbolo de luta pelos direitos civis ou de qualquer outra luta que seja. Não quebrou paradigmas nem trouxe novas perspectivas para a sociedade em que viveu.
Até onde sei, minha avó era vascaína, fã incondicional de Roberto Dinamite. Trabalhou como farmacêutica e foi membro do Lion’s club. Ela foi uma mulher comum, uma mulher de seu tempo. Nasceu, cresceu, casou e teve filhos. Seus filhos tiveram filhos e dessa forma se fez mãe de alguns, avó de alguns mais.
A minha avó fazia um bife saboroso que me fazia esquecer o coentro que ia no tempero e que eu tanto odiava. Ela me levava a pé ao supermercado mais próximo e me ensinava a “arte” de escolher frutas. As laranjas tinham que ter a casca fina, os abacaxis tinham que soltar parte da coroa e para a melancia era necessário bater e treinar o ouvido. Ela me fazia tomar leite morno achocolatado antes de dormir e comer biscoito de água e sal com queijo. Me ensinou a jogar baralho e assim espantava um pouco sua solidão. E isso tudo, tinha ela a certeza, era cumprir seu papel de avó.
Na casa da praia, acordava às 6h e nos chamava pra catar pedras e búzios. Chamava-nos à hora do almoço quando estávamos nas pedras e não nos deixava matar os peixes ou os siris que nós, curiosos e sádicos, trazíamos de volta da “pescaria”.
Mais tarde na faculdade, quando já a chamava “dona mundinha”, sua casa passou ser um pouco a minha segunda casa. Chegava cedo e ia para o quarto estudar e dormir, atrasando sua faxina. Ela nunca entrava no quarto e brigava com quem o fizesse. Quando adormecia no sofá me trazia um travesseiro e me acordava pra deitar na rede que já estava armada. Viajávamos de carro e seu olhar sério dirigido ao velocímetro alternava-se aos sorrisos que surgiam quando alguma música de seu tempo surgia. Adiciono a estas lembranças um enorme et caetera.
As ditas “grandes” mulheres não me deixam saudade. Não marcaram minha vida. São uma pseudo-realidade; algo distante, frágil e superficial. A minha avó, por outro lado, era real. Pra mim maior que qualquer Hannah Arendt, Virginia Wolf ou Rosa Parks. Sua importância simplesmente não é mensurável ou discutível. Ela ajudou a fazer de mim o que sou hoje. É essa a marca que ela me deixou ao nos deixar esta noite.
2 comentários:
Muito bom Diogo. Cê tá escrevendo cada vez melhor. Também, depois desse convivio comigo tinha de ter aprendido alguma coisa...heheheh. Abraços.
Valeu Diogo, também para mim ficou a lembrança dos deliciosos encontros, e aquele especial sotaque, inesquecível o exemplo e o carinho daquela que também foi um pouquinho minha mãe, pouquinho pelo limitado espaço de tempo no qual me reunia a vocÊs. Saudades da Dona Mundinha mas... em verdade alegria pela certeza de que ela estará sempre junto de nós, talvez mais do que quando estava presente fisicamente.
Só hoje ví a mudança do blog.
Eu salvei alguns textos seus mas, precisei pesquisar e não consegui reabrí-los. Sabe por que?
Beijos,
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