domingo, 23 de agosto de 2009

Homenagem a Dona Mundinha

A minha avó não foi a primeira mulher a votar nem a primeira a assumir um cargo público. Não foi símbolo de luta pelos direitos civis ou de qualquer outra luta que seja. Não quebrou paradigmas nem trouxe novas perspectivas para a sociedade em que viveu.

Até onde sei, minha avó era vascaína, fã incondicional de Roberto Dinamite. Trabalhou como farmacêutica e foi membro do Lion’s club. Ela foi uma mulher comum, uma mulher de seu tempo. Nasceu, cresceu, casou e teve filhos. Seus filhos tiveram filhos e dessa forma se fez mãe de alguns, avó de alguns mais.

A minha avó fazia um bife saboroso que me fazia esquecer o coentro que ia no tempero e que eu tanto odiava. Ela me levava a pé ao supermercado mais próximo e me ensinava a “arte” de escolher frutas. As laranjas tinham que ter a casca fina, os abacaxis tinham que soltar parte da coroa e para a melancia era necessário bater e treinar o ouvido. Ela me fazia tomar leite morno achocolatado antes de dormir e comer biscoito de água e sal com queijo. Me ensinou a jogar baralho e assim espantava um pouco sua solidão. E isso tudo, tinha ela a certeza, era cumprir seu papel de avó.

Na casa da praia, acordava às 6h e nos chamava pra catar pedras e búzios. Chamava-nos à hora do almoço quando estávamos nas pedras e não nos deixava matar os peixes ou os siris que nós, curiosos e sádicos, trazíamos de volta da “pescaria”.

Mais tarde na faculdade, quando já a chamava “dona mundinha”, sua casa passou ser um pouco a minha segunda casa. Chegava cedo e ia para o quarto estudar e dormir, atrasando sua faxina. Ela nunca entrava no quarto e brigava com quem o fizesse. Quando adormecia no sofá me trazia um travesseiro e me acordava pra deitar na rede que já estava armada. Viajávamos de carro e seu olhar sério dirigido ao velocímetro alternava-se aos sorrisos que surgiam quando alguma música de seu tempo surgia. Adiciono a estas lembranças um enorme et caetera.

As ditas “grandes” mulheres não me deixam saudade. Não marcaram minha vida. São uma pseudo-realidade; algo distante, frágil e superficial. A minha avó, por outro lado, era real. Pra mim maior que qualquer Hannah Arendt, Virginia Wolf ou Rosa Parks. Sua importância simplesmente não é mensurável ou discutível. Ela ajudou a fazer de mim o que sou hoje. É essa a marca que ela me deixou ao nos deixar esta noite.

2 comentários:

Chico Malta disse...

Muito bom Diogo. Cê tá escrevendo cada vez melhor. Também, depois desse convivio comigo tinha de ter aprendido alguma coisa...heheheh. Abraços.

Terezinha Assumpção disse...

Valeu Diogo, também para mim ficou a lembrança dos deliciosos encontros, e aquele especial sotaque, inesquecível o exemplo e o carinho daquela que também foi um pouquinho minha mãe, pouquinho pelo limitado espaço de tempo no qual me reunia a vocÊs. Saudades da Dona Mundinha mas... em verdade alegria pela certeza de que ela estará sempre junto de nós, talvez mais do que quando estava presente fisicamente.
Só hoje ví a mudança do blog.
Eu salvei alguns textos seus mas, precisei pesquisar e não consegui reabrí-los. Sabe por que?
Beijos,