A atuação de profissionais de um determinado campo é influenciada pela compreensão que os mesmos têm da realidade em que sua prática se desenvolve. Assim, a interpretação que alguém faz do contexto em que atua influencia significativamente a percepção acerca do papel que deve desempenhar bem como as próprias práticas e intervenções que julga adequadas.
O campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho é, naturalmente, o trabalho. Como não poderia ser diferente, a atuação profissional desse psicólogo será guiada, entre outras coisas pela comprrensão que o mesmo tem do trabalho, de sua natureza.
Não é surpreendente, pois, que um dos principais livros de Psicologia Organizacional do Brasil, tenha seu primeiro capítulo inteiramente dedicado à caracterização do campo. É interessante, contudo, que a visão oferecida acerca do mundo do trabalho seja construída a partir de uma única linha de pensamento e que nenhuma das inúmeras objeções (diretas e contundentes) já oferecidas à mesma seja sequer apresentada, quanto mais discutida.
Assim, uma rápida olhada no referido capítulo nos permite constatar que a seção de referências bibliográficas é constituída quase que exclusivamente de representantes nacionais e internacionais dessa corrente de pensamento. São nove referências a Marx e Engels, mais cinco a Emir Sader, e outras tantas a autores marxistas como Meszáros, Badouin, etc.
Uma parte significativa do capítulo, portanto, dedica-se à explanação de "realidades" como a mais-valia, a exploração do homem pelo capital, etc. A narrativa é pretensamente descritiva e apresentada como um conjunto de meras "constatações". Não é acidental que o título do capítulo "o Mundo do Trabalho" anuncie exatamente isso (uma descrição) e na prática realize outra coisa.
Não há ali qualquer crítica significativa. Não se discute, por exemplo, que toda essa elaboração teórica parte de uma premissa absurda tida como regra absoluta: a de que todo o valor é produzido pelo trabalho humano. Já no início do século 20 Böhm-Baverk ofereceu uma crítica absolutamente formidável a essa premissa e demonstrou por a+b+c que pensar que o trabalho humano é o único gerador de valor é verificável apenas em situações específicas e contingenciais e está longe de contituir uma descrição apurada da realidade do trabalho. E isso está escrito já há muitos anos. Não há razão lógica (apenas ideológica) para não apresentar esse contraponto e outros tantos de natureza similar.
Com as lacunas internas da corrente apagadas e as críticas sistematicamente negligenciadas, o leitor desavisado termina o capítulo com a sensação de que aqueles conceitos são a mais pura descrição da realidade do trabalho. Dessa forma, aquele que lê admite de bom grado que a relação capitalista de trabalho é exploradora (e criminosa) por definição, e que o trabalho, consequentemente, é alienante, explorador, monótono, discriminante, embrutecedor, submisso (p. 58).
Isso tudo tem uma importância fundamental para a prática profissional: como aquele que subscreve toda essa visão conceberá o seu papel nas organizações de trabalho? Como ele conceberá sua atuação frente a uma relação de trabalho que é, logo à partida, um crime (um crime do qual, aliás, ele é também é vítima)? Que intervenções deverá julgar como adequadas? Como ele conceberá o contrato psicológico?
Admitir que a relação entre empresa e trabalhador é desigual (afinal, são entidades de natureza distinta) é algo totalmente diferente de considerá-la criminosa. De modo semelhante, admitir a possibilidade de que existem situações reais de exploração não é o mesmo que entendê-la como a base fundamental das relações de trabalho e, conseqüentemente, como ponto de partida para qualquer análise.
O psicólogo que parte de uma visão como a descrita acima falha em refletir e compreender a realidade em que o mesmo atua, algo essencial para a prática profissional. Subscrever acriticamente tais premissas oferece precisamente duas opcões. Por um lado, poderia ele adotar uma postura cínica e trabalhar como "instrumento" da exploração que ele mesmo admite, de antemão, existir. Esse seria o "lobo mau" da psicologia, alcunha que, aliás, só faz sentido dentro desse horizonte teórico/retórico. Por outro lado, o psicólogo poderia assumir o "dever moral" de, através de sua intervenção, restaurar a equidade nessa relação, saindo do âmbito do profissionalismo e penetrando o campo da militância.
Alternativamente, o psicólogo organizacional que não aceita a priori uma tal perspectiva sobre o trabalho terá a liberdade para abraçar a complexa realidade de seu campo de atuação e o desafio constante que constitui sua compreensão.
Um comentário:
Nas relações sindicais no brasil, a abordagem desgastada de exploração do homem pelo capital é ainda muito presente. Fazia até algum sentido num contexto de 40, 50 anos atrás, com ditadura, censura e repressão. Mas num cenário de democracia, estabilidade economica, globalização e cultura digital, mostra apenas a necessidade de atualização das entidades representativas. Não questiono a existência do sindicato, ainda necessária (até quando?), mas a sua atuação. Ao invés do embate com o "capital", por que não a parceria na busca de melhores condições para os empregados. Precisamos de novas bandeiras!
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