O desenvolvimento tecnológico acentuado que verificamos nos pequenos fatos do cotidiano vem, há muito tempo, alterando significativamente o mundo do trabalho. Mais especificamente, a implementação de tecnologias avançadas têm modificado a forma como as pessoas se relacionam com suas atividades e com o trabalho, em geral.
Há um texto bastante interessante (Ironias da Automação, de 1983) onde pode-se verificar que o debate dentro desse tema é amplo e razoavelmente antigo. A autora do texto, Bainbridge, aponta-nos alguns dos paradoxos decorrentes do processo de automação de sistemas. Ironias, digamos assim, com os quais a indústria de processos tem de lidar embora nem sempre elas apareçam com fácil inteligibilidade.
É bem verdade que o texto tem mais de duas décadas. Claro está que o conhecimento relativo à automação de sistemas percorreu um longo caminho de acertos e erros, agregando uma série de procedimentos que tornaram o “casamento” homem-máquina um pouco mais tranqüilo. Pode-se dizer, com certeza, que temos hoje sistemas muito mais seguros que há duas décadas.
Contudo, algumas das “ironias” apontadas pela autora ultrapassam as décadas pois retratam o que está na essência dos problemas enfrentados pela automação de sistemas de risco. Ademais, as ironias ilustram os problemas enfrentados quando encara-se a automação como panacéia para todos os problemas da indústria.
Com grande certeza, pode-se dizer que a automação trouxe enormes benefícios para a indústria: otimizou processos, aumentou a segurança das pessoas e dos equipamentos, instituiu vantagens ergonômicas para trabalhadores, etc.
Vista assim sob essa perspectiva, não faria muito sentido falar em ironias relacionadas com a automação. Contudo, na base da visão utópica da automação estão paradoxos. Principalmente quando assumimos que onde a automação goza de status de solução última, está a associação do trabalhador ao erro e à ineficiência.
Bainbridge afirma que a necessidade de não depender da capacidade dos operadores está na base da motivação em automatizar sistemas (ou partes significativas destes). Contudo, ao buscar a solução para certos problemas, o processo de automação introduz outros (de natureza distinta) que representam ameaças à confiabilidade do sistema.
De fato, a primeira – e mais básica – ironia é apontada pela autora:
- Ao mesmo tempo em que os sistemas são automatizados para evitar a dependência na eficácia (duvidosa) do operador, a este último é dada a tarefa de supervisionar e monitorar as falhas desses mesmos sistemas. Ou seja, o designer do sistema que busca eliminar o operador do mesmo, confere a este último o papel (impossível) de árbitro deste.
Uma segunda ironia parece mais sutil:
- Ao tentar evitar um erro operacional, a automação dos sistemas aumenta a probabilidade de erros de design, os quais são consideravelmente mais complexos para solucionar.
Uma outra ainda diz respeito ao desenvolvimento da habilidades e conhecimentos do operador.
- Com a automação, o nível de conhecimento requerido para operar o sistema aumenta significativamente. Ora, o conhecimento acerca do processo e as habilidades envolvidas na operação são construídas a partir de longa experiência, de constante feedback de suas atividades. A automação, contudo, impõe sérias dificuldades ao processo de construção desse saber. Ou seja, ao mesmo tempo em que a automação requer mais conhecimento por parte do operador, impõe dificuldades para o desenvolvimento do mesmo. Neste sentido, aumenta-se consideravelmente a necessidade de treinamento e de simuladores de alta precisão para que o operador tenha condição de (e, principalmente, sinta-se apto a) intervir sobre o sistema quando necessário.
De forma geral, as observações de Bainbridge nos revelam o quanto a automação, quando pensada negligenciando o componente humano de seu sistema, pode ter efeitos danosos. A visão simplista e negativa do trabalhador que subjaz grande parte das aspirações utópicas da automação, como epítome do progresso humano, pode trazer conseqüências graves para o trabalho.
Se por um lado a automação permite a redução do esforço físico, por outro pode ser também fonte de adoecimento do operador do sistema, a quem é dada uma tarefa absolutamente entediante e penosamente crítica, de grande responsabilidade.
Ao mesmo tempo em que diminui-se a exposição do trabalhador a situações de risco e condições severas de trabalho, impõe uma carga de trabalho mental, a qual pode ser tão severa e perigosa.
Finalmente, se a automação por um lado implementa melhorias no processos tornando-os mais eficazes, ela pode precarizar as relações de trabalho e aprofundar a lacuna entre concepção e execução do trabalho, raiz de muitos dos problemas que as organizações enfrentam.
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