quarta-feira, 7 de julho de 2010

Grupos

O funcionamento dos grupos é um tema de enorme relevância na Psicologia Organizacional e do trabalho. O texto abaixo é um trecho que traduzi do artigo "Life and Death of Organizations", escrito por Kenneth Gergen. Como teórico do construcionismo social que é, Gergen aborda esse tema de um modo particular. Algo que poderia ser, grosso modo, resumido assim:

Os mesmos movimentos discursivos que permitem a organização eficaz de um grupo - proporcionando uma visão compartilhada do “real” e do “bom” entre os membros - carrega consigo as bases para a sua desorganização.

Gergen está apontando para um problema intrigante sobre o qual muitos já se debruçaram: à medida que um grupo se desenvolve, que se fortalece em torno de seu objetivo, partilha uma visão, têm normas claras e papéis bem definidos - em outras palavras, à medida que ele "amadurece" - é esperado que surjam - ou tornem-se mais salientes - conflitos e problemas de coordenação com outros grupos. É precisamente neste sentido que muitos atribuem ao líder de um grupo "maduro" o papel de "gestor de fronteiras". Ele passa a se preocupar com a dinâmica intergrupal, já que a dinâmica interna do grupo (tanto aspectos afetivos como relativos à organização do trabalho) não parece requerer tanta atenção.

Dito em termos mais próximos do vocabulário do construcionismo social: à medida que a realidade social construída pelo grupo torna-se mais forte e real, à medida que seus membros partilham uma linguagem, bem como valores e critérios de legitimidade, mais estranhos parecem ser aqueles que estão do lado de fora, mais incompreensíveis são seus membros, a linguagem que usam, seus valores e modos de compreender a realidade.



Segue o trecho:

"Para sermos sucintos, propomos que a organização efetiva – paradoxalmente – estabelece os fundamentos para a desorganização. Mais especificamente, analisando a importante distinção que Bakhtin (1981) faz entre diálogo que funciona centripetamente (levando a linguagem a uma forma centralizada de organização), e o diálogo que, ao contrário, funciona centrifugamente (desfazendo ou desorganizando formas centralizadas de compreensão). Neste sentido, o que caracterizamos como diálogo generativo funciona essencialmente de modo centrípeto para criar uma organização eficaz. No entanto o mesmo diálogo que traz os participantes da organização juntos em um espaço comum de compreensão, funciona também de tal forma que as tradições dialógicas às quais encontram-se engajados podem ser rompidas, suprimidas ou, em uma palavra, desordenadas. Essencialmente, os participantes podem vir a abraçar uma realidade particular, um conjunto de valores e práticas que os afastam de outras formas de vida. A tendência é tornar-se um “homem da empresa","um burocrata","um verdadeiro entusiasta". O resultado disso é uma sutil negação daquilo que se encontra fora da esfera brilhante da organização. O processo centripetal simultaneamente funciona em modo centrífugo. Este problema é agravado por um padrão comum aos pequenos grupos, há muito familiar para as ciências sociais, isto é, a formação "in-group/out-group". Desde os primeiros trabalhos de Sheriff (1966) até as mais recentes abordagens à identidade de grupo (Tajfel, 1981; Turner, 1991), os pesquisadores têm observado uma forte tendência para os grupos organizados tornarem-se alienados e hostis àqueles que estão fora do grupo. Os membros de um mesmo grupo celebram a sua maneira de fazer as coisas, seus ideais, e seus membros: os outros grupos compõem um exterior desvalorizado. (...) À medida que os grupos desenvolvem uma visão compartilhada do “real” e do “bom”, eles tendem a incorporar ou suprimir os discursos construídos “lá fora”. A força hegemônica das comunidades discursivas tende a marginalizar ou alienar aqueles que estão fora delas. Ou, em termos mais práticos, à medida que as organizações se tornam maiores, mais complexas e mais geograficamente espalhadas, mais comunidades discursivas emergirão, cada uma com uma construção particular do mundo, cada uma com um potencial de desconfiança ou animosidade por aqueles que lhes são exteriores. “Bolsões” locais de organização – eficazes para a realização das tarefas diárias como entendidas por aqueles que vivenciam a realidade próxima – carregam consigo potenciais resistências para outros enclaves de significado dentro da organização. A divisão de marketing ignora os problemas de Vendas, Vendas não acredita que o departamento de Pesquisa e Desenvolvimento está funcionando de modo eficaz, a filial francesa acredita que o escritório central nos Estados Unidos é irracional, e assim por diante. Em suma, onde o diálogo é bem sucedido na organização, há uma pulsão sutil para a desorganização e para a negação recíproca de diferentes grupos".