segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Em terra de olho quem tem cego...errei!

“se eles (os pilotos) tivessem tomado mais tempo para analisar os instrumentos do motor ficaria claro que as indicações relativas ao motor No.2 estavam normais e que o motor No. 1 estava se comportando erraticamente(Relatório AAIB - No. 4/90, Seção 2.1.1.1 - sobre o acidente aéreo em Kegworth, 1989)".

“A análise (de acidentes) é usualmente conduzida para chegar à primeira explicação plausível que aparecer à vista. Se uma explicação que refere-se à parte tecnológica do sistema não pode ser encontrada, a categoria 'erro humano' normalmente é empregada. Apenas quando a análise é levada além deste ponto, é que percebemos que a explicação em termos de 'erro humano' é insuficiente" (Hollnagel, 1983 – Position Paper for NATO Conference)

Erro Humano. Em 1983, durante uma conferência da OTAN, Erik Hollnagel, Psicólogo com vasta experiência na indústria, defendeu o abandono do conceito de erro humano. Certamente, a audiência que o ouvia falar tomou ares de perplexidade. Depois disso, e durante toda a sua carreira, ele defendeu sua tese através de inúmeros trabalhos, tanto no âmbito acadêmico como no profissional. Durante uma entrevista concedida à Namahn, em 2009, o Professor reforçou alguns dos argumentos que serviram de base para sua controversa “exortação” de quase três décadas atrás.

Em primeiro lugar, Hollnagel alega que erro humano é um conceito ambíguo. Ele pode significar várias coisas, tanto no mundo acadêmico quanto no mundo profissional. Portanto, alega o professor, do ponto de vista científico, um termo que pode propiciar dois ou três sentidos – ou seja, que tem inúmeros referentes – não nos ajuda.

Segundo, "erro humano" tem sido utilizado de diversas maneiras equívocas. O conceito tem sido usado principalmente como uma explicação rápida e plausível para acidentes e falhas, bem como tem servido de pano de fundo para responsabilização e culpabilização de “responsáveis” por tais eventos. Portanto, erro humano tem sido um conceito pouco útil na prevenção de acidentes futuros e, por outro lado, "bem" utilizado para fundamentar sistemas de conseqüências relacionados a eventos passados.

A primeira razão apontada pelo professor, não constitui, a meu ver, argumento cabal para o abandono de qualquer conceito. Por outro lado, é certo que a ambigüidade que dificulta a utilidade do mesmo está intimamente relacionada com a segunda razão, apontada por Hollnagel, para sugerir seu abandono.

Como acabamos de dizer, o erro humano tem sido útil para tomar medidas relativas ao que passou e pouco útil no sentido de prevenir a ocorrência de eventos indesejados, falhas e acidentes. Em grande parte porque tem sido um grande conceito guarda-chuva, englobando todo tipo de evento, inclusive aqueles que, por nenhum critério razoável, poderia ser definido como erro. Por outro lado, ele não tem ajudado muito na prevenção de acidentes. Mas por que, então, erro humano parece um conceito tão atrativo a ponto de servir como explicação de inúmeros acidentes?

Claro que qualquer explicação a essa pergunta oferecerá verdades parciais. Mas não custa refletir sobre as diversas possibilidades.

Em primeiro lugar, é interessante entender o ambiente criado por um evento indesejado, suponhamos, um acidente. Perdas de produção, pessoas feridas, comunidades afetadas, mortes, são ocorrências que geram enormes pressões sobre as pessoas responsáveis (ex.: gestores de uma unidade fabril). O ambiente que se segue a eventos como estes, são de tensão, insegurança, perplexidade, etc. A imprensa poderá estar envolvida, os sindicatos, os acionistas, os diretores, empregados e familiares, a comunidade de modo geral; todos demandam a tomada de medidas. Obviamente a dimensão do tal evento (seus impactos, suas implicações) ajudará a compor proporcionalmente esse cenário de balbúrdia. Independente de qualquer coisa, nesses casos não nos é possível supor um ambiente tranqüilo e que, tampouco, ofereça espaço para amplas discussões racionais, profundas. E é precisamente neste tipo de contexto que usualmente temos que investigar acidentes, e tomar decisões relativas ao mesmo.

Ainda sobre o contexto é importante destacar que acidentes representam, em maior ou menor grau, uma sensação de perda de controle: algo não funcionou como o previsto, algo diferente (inicialmente incompreensível) se passou. O acidente relembra à organização a dimensão intangível do processo, assim como uma doença nos lembra nossa eterna vulnerabilidade, nossa mortalidade. E da mesma forma como nós podemos negar a morte – a qual, independentemente da postura com a qual a encaramos, está sempre à nossa sombra – uma organização optará, quase sempre, por não reconhecer as lacunas e zonas cinza existentes, jamais poderá reconhecer que o sistema é demasiado complexo e que, inexoravelmente, acidentes acontecerão.

E essa negação certamente não se deve a desvios de caráter (mentiras, omissões, etc.) de seus gestores, mas por que tal reconhecimento teria conseqüências práticas para o futuro imediato da organização. Uma organização é, por definição, um empreendimento racional. E isso implica: controle e predição. Reconhecer a intangibilidade do sistema não é desejável e, muitas vezes, sequer possível.

A organização deve, sobretudo, mostrar-se no comando das ações e não como vítimas passivas de forças aleatórias. A aparência de controle é uma estratégia muito comum de apresentação institucional e as empresas com maior flutuação em seus resultados (oscilação de produtividade, acidentes, etc.) fazem mais uso desta estratégia, pois precisam fazê-lo. Qual acionista investirá seu dinheiro em um navio sem leme? Que diretor manterá gestores que não controlam seu ambiente? Que parecem não saber o que acontecerá daqui a um mês?

Obviamente, essa imagem forte e combativa será tão maior quanto mais rapidamente as partes interessadas identifiquem o que aconteceu. A perplexidade instaurada pelo acidente, as pressões originadas em diversos grupos de stakeholders e a necessidade de gerir a imagem da empresa são todos vetores que, juntos, aumentarão a pressão por respostas rápidas: o que aconteceu, como aconteceu, por que aconteceu e o que será feito para que não aconteça mais.

A rapidez com que o diagnóstico deve chegar é, portanto, de extrema importância. Ela constitui uma força que constrange a busca incessante por compreender a fundo o problema e a avaliação de muitas alternativas de explicação. O diagnóstico, independente de sua precisão, desempenha uma função tranqüilizadora, e ao mesmo tempo projeta uma imagem de controle e domínio sobre o processo; é uma retomada de rédeas, a supressão, pelo menos aparente, dos indícios de intangibilidade do sistema.

Isso deve-se, em parte, ao fato de que um diagnóstico carrega implícita uma terapêutica. Se temos febre, vômito e dores de cabeça estamos, digamos, lidando com eventos indesejados e sendo levados a um campo de incertezas. Um diagnóstico médico, num primeiro momento, me retira do campo do desconhecido e, num segundo momento, me indica as ações necessárias para recobrar a “normalidade” e restaurar o equilíbrio ideal do sistema. A função primária do diagnóstico é nos retirar da esfera do desconhecido e da falta de controle. Neste sentido nós reprisamos a forma com que durante muito tempo lidamos com o desconhecido: a peste era trazida por estrangeiros, as secas eram fruto de feitiçarias, e assim por diante. Ainda que as respostas encontradas não tivessem a menor conexão com a realidade, elas eram tranqüilizadoras. As terapêuticas ficavam claras com o diagnóstico: os estrangeiros eram expulsos, as "feiticeiras" encontradas e queimadas, etc.

Como fica claro, o contexto de que falamos é de tensão, de pressão por respostas rápidas e por respostas que possibilitem a retomada do controle. A primeira razão que encontramos para explicar a insistente recorrência ao conceito de erro humano na explicação de acidentes é justamente o fato de "erro humano" ser uma resposta que atende os requisitos acima.


Como sugerimos, a busca pela resposta não é de todo um empreendimento imparcial, focado na verdade última dos fatos. É interessante que o diagnóstico seja rápido, mas que ao mesmo tempo apresente possibilidades de ações, ou seja, que implique uma terapêutica. Enfim, a resposta ideal para a organização – que está submetida às mais diversas pressões e que precisa demonstrar controle – é aquela que implique ações claramente definidas. O tag “erro humano” é uma das respostas que apresenta essas possibilidades. Uma vez detectado como causa do evento indesejado, ações bem concretas podem ser tomadas: identificada a falta de qualificação, pode-se treinar o dito cujo; identificada a “negligência” ou a “falta de comprometimento” pode-se punir, transferir, demitir o trabalhador “responsável” pelo “erro”.

O segundo fator relaciona-se intimamente com o primeiro; quando a organização “encontra” erro humano e o identifica como causa do evento, tanto o problema quanto sua solução são individualizados: "a causa torna-se o sujeito que tocou por último no equipamento". Ao mesmo tempo, isentamos a organização, sua estratégia de treinamentos, o estabelecimento equivocado de prioridades de manutenção, o design do sistema e suas contradições inerentes, a organização do trabalho, os mecanismos de controle falhos e uma série de outros componentes os quais, caso fossem relacionados na linha causal, demandariam mudanças muito mais profundas e lentas.

Uma terceira razão tem também a ver com gestão de impressões; “reconhecer o fator humano”, “compreender e considerar o lado humano do trabalho” são formas de se apresentar que alinham a organização a um discurso amplamente aceito no atual contexto. Buscar compreender a ação humana na organização é projetar uma imagem de modernidade à organização mesmo que, paradoxalmente, o interesse pelo componente humano tenha, em realidade, servido a propósitos muito menos nobres quando o assunto é acidente e falha de sistema.

Uma quarta razão diz respeito à cisão entre trabalho prescrito e trabalho real. Numa investigação, engenheiros, gestores e técnicos deparam-se com essa discrepância, ela mesma sistematicamente ignorada quando seus efeitos são positivos. Na visão dos designers do sistema, as orientações de trabalho, padrões de execução e artefatos similares, teoricamente regem – e deveriam reger – a organização. Contudo, é impossível que "cubram" todos os aspectos do trabalho, até porque eles muitas vezes se sobrepõem, se contradizem e, muito amiúde, colocam o empregado em situações de escolha conflitante: “se eu resolver cumprir a rigor esse procedimento de segurança não poderei cumprir um outro padrão operacional, nem outro de gestão, nem poderei atender as demandas de minha gerência a tempo”. No dia-a-dia, os trabalhadores fazem escolhas entre ser mais preciso ou ser mais rápido. Essas adaptações empreendidas pelo humano em seu trabalho exigem de sua criatividade e, apesar de constituirem a base do funcionamento do sistema, praticamente só vêm a pauta quando as mesmas estão presentes em um evento de falha e acidente.

Quando investigadores se debruçam sobre o que o trabalhador de fato faz, é inevitável que ele encontre inconsistências entre o que é prescrito e o que é real. E essa discrepância - cujos ajustamentos constituem possivelmente a maior contribuição do empregado para "fazer o sistema rodar" - é chamada erro. Assim, numa análise a posteriori e com a linha causal bem clara (algo difícil de visualizar na situação concreta do momento do evento) toma-se o prescrito pelo real. E neste sentido o “erro” é detectado. Mas, por vezes, o que é detectado não é, nem de longe, uma variabilidade no desempenho, mas a forma como as coisas são feitas. As escolhas efetuadas, que ora sacrificam a perfeição, ora a agilidade, são escolhas aprendidas no trabalho e que certamente funcionaram em inúmeras ocasiões. São ajustes que permitem responder a demandas ambíguas, contraditórias e opacas do dia-a-dia.

Portanto, a explicação em termos de erro humano é, na maior parte das vezes, uma visão imprecisa acerca do acidente. E quando o diagnóstico é errado, ou superficial, os resultados indesejados (problemas de saúde) continuarão a ocorrer, ou poderão ser agravados. Uma consulta superficial, que não investigou a fundo o histórico e as condições gerais do paciente, e escolhe a primeira solução para o problema não contribuirá para a sua solução - para o restabelecimento ou minimização do sofrimento do paciente. Isso porque o diagnóstico não reflete os mecanismos manifestos e latentes envolvidos na geração do resultado indesejado, da enfermidade.

A explicação nomeada erro humano continuará a ser uma opção atraente para analistas. Ela será sempre possível já que o “erro” estará sempre presente (se assumirmos o conceito de erro como algo fora da prescrição), será sempre uma resposta rápida, não implicará grandes mudanças e sempre proporcionará uma retomada, ainda que em aparência, do controle.

Se o interesse último daqueles que analisam o acidente fosse unicamente a verdade última, a compreensão profunda das causas, dos mecanismos – manifestos e latentes – envolvidos na produção do evento indesejado, certamente o termo “erro humano” seria empregado menos vezes como sua causa principal. E, precisamente por essa razão, teríamos análises que de fato ajudariam na prevenção de acidentes e na proteção contra seus efeitos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Políticas de Avaliação e Avaliações Políticas

Em outra ocasião, postei aqui um texto que discutia as teorias implícitas que avaliadores possuíam (consciente ou incoscientemente) em relação a aptidões humanas bem como a influência destas no resultado das avaliações que os mesmos faziam do desempenho de outrem. Ao final do texto, deu-se a entender que este (um viés bem específico) é apenas um aspecto a afetar o processo Avaliação de Desempenho (AD) nas empresas. Mas há muito mais coisas entre o céu e a terra...

De fato, uma boa parte dos estudos ancorados na psicologia buscou identificar os desvios, as distorções, os enviezamentos relacionados ao ato de avaliar desempenho. O estudo a que me referi naquele texto encaixa-se precisamente nessa linha de investigação. Mas dentro deste escopo podemos ainda mencionar inúmeros outros estudos, que identificaram tipos diferentes de distorções de percepção, analisaram o impacto de fatores emocionais na avaliação, etc. Ainda nesta linha, uma vasta literatura refere a questões como efeito halo, profecia auto-realizável, percepção seletiva, defesa perceptiva, etc. Fatores como estes seriam os grandes vilões da avaliação, obstáculos à “correta” apreciação do desempenho laboral. Além dos estudos que aplicam conceitos clássicos de psicologia da percepção, um outro grande conjunto de estudos de campo e experimentos abordaram problemas relativos à mensuração de instrumentos de medida de desempenho, efeito do treinamento de avaliadores no processo, etc. etc. etc.

Todos estes estudos visam, de uma maneira ou de outra, um objetivo principal: identificar formas de garantir um processo de avaliação preciso, exato. Portanto, identificar fatores que “distorcem” a percepção do avaliador, avaliar as qualidades psicométricas das escalas de medida, comparar eficácia de diferentes métodos de avaliação, entre outras, são todas formas de garantir um processo que produza informações exatas sobre o desempenho dos trabalhadores. A meta da avaliação deve ser, portanto, a precisão. Ok.

De modo geral, pode-se dizer que o componente político, inevitável nas organizações – e, por conseguinte, inevitável nas avaliações de desempenho – tem sido deixado ao lado, ou, quando muito, tomado como mais uma das inúmeras fontes de distorção. Por componente político, entendamos tudo aquilo que envolva comportamentos/ações direcionadas à proteção de interesses próprios e de grupos específicos, que buscam o controle sobre recursos, a manutenção da legitimidade, a garantia da sobrevivência profissional e grupal, etc. Este é obviamente um conceito que abrange uma multiplicidade de fenômenos.

Quando analisamos criteriosamente os estudos tradicionais uma constatação é inevitável: a de que não é possível erradicar completamente as distorções, que não existe tal coisa como um sistema absolutamente objetivo. Quando analisamos a dimensão política no processo de AD, uma constatação ainda mais importante pode ser feita: que a precisão, embora desejada arduamente pelos profissionais de RH, nem sempre é o principal objetivo dos atores envolvidos neste processo. Desenvolveremos um pouco mais detalhadamente estas duas constatações, com maior atenção para a segunda.

A extinção completa do viés e da distorção na avaliação não apenas constitui uma meta irreal, mas, precisamente por essa razão, tem consequências negativas: quando se assume a precisão absoluta como objetivo final do processo, direcionamos esforços de pesquisadores e profissionais de RH à busca de soluções para questões que, afinal, são secundárias (qualidade de instrumentos e sistemas, identificação de viés cognitivo, etc.).

A segunda constatação, embora relacionada à primeira, é a meu ver, ainda mais importante.

Um olhar realista sobre qualquer processo de AD constata que a precisão não é – e, por vezes, de fato não deveria ser – o principal objetivo que gestores buscam atingir ao conduzir uma AD. Assumirmos essa falácia, ou seja, acreditar que os gestores buscam a precisão acima de qualquer outra coisa nos faz chamar “erro” o que na maioria das vezes é um comportamento deliberado e estratégico por parte do avaliador/gestor.

De modo geral, os gestores demandam instrumentos de gestão que possuam uma certa margem de manobra, uma certa flexibilidade que o permita utilizar as ferramentas à sua disposição a favor de seus interesses e/ou dos interesses de seu grupo. Não à toa, temos sistemas de AD flexíveis o suficiente para permitir que avaliadores façam ajustes de modo que suas avaliações ganhem as feições necessárias a seus objetivos, imediatos ou futuros. Vejamos então alguns exemplos daquilo que alguns chamariam “erro” de avaliação mas que podem, de modo mais realista e pragmático, ser vistos como comportamentos estratégicos.

Com muita freqüência, avaliadores tendem a fornecer uma avaliação de um empregado que superestima o seu real desempenho (quando falamos “real” não supomos que exista tal coisa, mas que existe o “real” desempenho tal como acredita o próprio avaliador). A literatura indica que a inflação de escores de desempenho é uma prática mais comum que imaginamos. Mas então que “erro” é esse?

Na verdade, muitas razões podem explicar um acontecimento desta natureza. O avaliador pode fazê-lo para maximizar as chances de seu empregado conseguir um aumento, haja vista a usual conexão, nas organizações, entre desempenho e remuneração/progressão na carreira. Assim ele pode usar o processo como ferramenta motivacional individual ou grupal. Pode também fazê-lo com o objetivo de evitar um confronto futuro com um determinado empregado, poupando-se do desgaste e garantindo o apoio do empregado para futuras empreitadas. Pode ainda inflar uma avaliação com o receio em relação ao fato de que a avaliação fará parte do histórico do empregado. Para proteger alguém, reconhecidamente eficaz outrora, mas que teve um mau desempenho por razões pessoais e, assim, assegurar que o empregado volte a seu patamar de desempenho. Um outro motivo diz respeito à gestão de impressões: em última instância, o desempenho (ruim ou bom) de um empregado é considerado como responsabilidade de seu gestor. Dessa maneira, inflar resultados poderia parecer uma boa maneira de estar "bem na fita". E poderíamos ainda dar vários outros exemplos.

Por outro lado, temos as avaliações excessivamente negativas. Por que um gestor “daria uma nota” menor que aquela que ele mesmo acredita que o empregado merece? Ora, assim como a inflação de escores, uma má avaliação pode servir a muitos propósitos estratégicos. Pode parecer aos gestor uma forma de punir um empregado ou um ato isolado de um subordinado. Pode configurar-se uma persuasiva mensagem, de que o empregado não é mais bem-vindo naquela área. Pode ser também uma forma de construir um respaldo para uma futura demissão, estratégia esta cada vez mais comum na medida em que as demissões freqüentemente tornam-se alvo de processos judiciais. Paradoxalmente, os registros de desempenho parecem ser encarados como uma aferição satisfatoriamente objetiva do desempenho, servindo assim de respaldo para o referido fim.

Enfim, as estratégias enumeradas apontam para um fato que merece destaque: muito freqüentemente, um gestor não deixará que a busca pela exatidão o atrapalhe na consecução de seus objetivos. O trabalho do gestor consiste em atender uma série de demandas simultâneas e contraditórias e responder a pressões em diferentes direções para que possa realizar seu trabalho e sobreviver na função (cortar custos, motivar empregados, conseguir apoio e recursos, fazer alianças, garantir legitimidade, etc). A AD pode parecer mais um meio de conseguir o que pretende, principalmente junto a seus empregados. Por outro lado, mas em sentido semelhante, cumprir a norma da exatidão pode configurar-se um obstáculo indesejável. Neste sentido, a conformidade ao critério da precisão nas avaliações, objetivo declarado da organização formal, pode parecer ao gestor um tanto limitador...castrador.

Dito de outro modo, a AD não é um empreendimento focado no passado – como a visão pautada na precisão parece sugerir – mas principalmente no futuro.

As avaliações têm conseqüências para empregados e gestores, servem de insumo para outros sistemas e têm impacto sobre a carreira do empregado, sobre o clima do grupo e, portanto, sobre os resultados da organização. Logo, as avaliações influenciam o futuro da organização, das equipes de trabalho e de seus líderes.

Portanto, a pergunta que mais comumente o avaliador faz a si mesmo não é exatamente uma consulta a eventos passados, como “qual foi exatamente o desempenho deste ou daquele empregado?”, mas uma projeção dos cenários futuros decorrentes de suas decisões, como “quais os resultados possíveis de fazer uma avaliação precisa (ou imprecisa – para mais ou para menos)?” ou “o que acontecerá se eu avaliar este empregado como eu de fato o percebo?”, ou ainda “quais serão os espólios de minha avaliação?”. Obviamente, aqui estamos falando de um jogo muito mais complexo do que julgam muitos especialistas. Um xadrez com muitas peças, certamente.

Reconhecer o componente político/estratégico presente nas Avaliações de Desempenho é, portanto, um passo necessário na busca de alternativas para seu melhor uso. Negá-lo ou subestimá-lo nos fará lutar contra moinhos de vento e, por conseqüência, nos impedirá de evoluir no processo.

Importa ainda ressaltar que o reconhecimento da existência deste componente não deveria ser acompanhado de julgamentos moralistas. Seria, em otras palavras, pararmos de falar em “erros” e passarmos falar em “má fé”. Precisamos entender que essa é uma realidade e que o componente político pode ser, de fato, funcional, importante em determinadas circunstâncias. Por outro lado, o reconhecimento de sua existência deve sim ser acompanhado da consciência de seus potenciais efeitos negativos.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Grupos

O funcionamento dos grupos é um tema de enorme relevância na Psicologia Organizacional e do trabalho. O texto abaixo é um trecho que traduzi do artigo "Life and Death of Organizations", escrito por Kenneth Gergen. Como teórico do construcionismo social que é, Gergen aborda esse tema de um modo particular. Algo que poderia ser, grosso modo, resumido assim:

Os mesmos movimentos discursivos que permitem a organização eficaz de um grupo - proporcionando uma visão compartilhada do “real” e do “bom” entre os membros - carrega consigo as bases para a sua desorganização.

Gergen está apontando para um problema intrigante sobre o qual muitos já se debruçaram: à medida que um grupo se desenvolve, que se fortalece em torno de seu objetivo, partilha uma visão, têm normas claras e papéis bem definidos - em outras palavras, à medida que ele "amadurece" - é esperado que surjam - ou tornem-se mais salientes - conflitos e problemas de coordenação com outros grupos. É precisamente neste sentido que muitos atribuem ao líder de um grupo "maduro" o papel de "gestor de fronteiras". Ele passa a se preocupar com a dinâmica intergrupal, já que a dinâmica interna do grupo (tanto aspectos afetivos como relativos à organização do trabalho) não parece requerer tanta atenção.

Dito em termos mais próximos do vocabulário do construcionismo social: à medida que a realidade social construída pelo grupo torna-se mais forte e real, à medida que seus membros partilham uma linguagem, bem como valores e critérios de legitimidade, mais estranhos parecem ser aqueles que estão do lado de fora, mais incompreensíveis são seus membros, a linguagem que usam, seus valores e modos de compreender a realidade.



Segue o trecho:

"Para sermos sucintos, propomos que a organização efetiva – paradoxalmente – estabelece os fundamentos para a desorganização. Mais especificamente, analisando a importante distinção que Bakhtin (1981) faz entre diálogo que funciona centripetamente (levando a linguagem a uma forma centralizada de organização), e o diálogo que, ao contrário, funciona centrifugamente (desfazendo ou desorganizando formas centralizadas de compreensão). Neste sentido, o que caracterizamos como diálogo generativo funciona essencialmente de modo centrípeto para criar uma organização eficaz. No entanto o mesmo diálogo que traz os participantes da organização juntos em um espaço comum de compreensão, funciona também de tal forma que as tradições dialógicas às quais encontram-se engajados podem ser rompidas, suprimidas ou, em uma palavra, desordenadas. Essencialmente, os participantes podem vir a abraçar uma realidade particular, um conjunto de valores e práticas que os afastam de outras formas de vida. A tendência é tornar-se um “homem da empresa","um burocrata","um verdadeiro entusiasta". O resultado disso é uma sutil negação daquilo que se encontra fora da esfera brilhante da organização. O processo centripetal simultaneamente funciona em modo centrífugo. Este problema é agravado por um padrão comum aos pequenos grupos, há muito familiar para as ciências sociais, isto é, a formação "in-group/out-group". Desde os primeiros trabalhos de Sheriff (1966) até as mais recentes abordagens à identidade de grupo (Tajfel, 1981; Turner, 1991), os pesquisadores têm observado uma forte tendência para os grupos organizados tornarem-se alienados e hostis àqueles que estão fora do grupo. Os membros de um mesmo grupo celebram a sua maneira de fazer as coisas, seus ideais, e seus membros: os outros grupos compõem um exterior desvalorizado. (...) À medida que os grupos desenvolvem uma visão compartilhada do “real” e do “bom”, eles tendem a incorporar ou suprimir os discursos construídos “lá fora”. A força hegemônica das comunidades discursivas tende a marginalizar ou alienar aqueles que estão fora delas. Ou, em termos mais práticos, à medida que as organizações se tornam maiores, mais complexas e mais geograficamente espalhadas, mais comunidades discursivas emergirão, cada uma com uma construção particular do mundo, cada uma com um potencial de desconfiança ou animosidade por aqueles que lhes são exteriores. “Bolsões” locais de organização – eficazes para a realização das tarefas diárias como entendidas por aqueles que vivenciam a realidade próxima – carregam consigo potenciais resistências para outros enclaves de significado dentro da organização. A divisão de marketing ignora os problemas de Vendas, Vendas não acredita que o departamento de Pesquisa e Desenvolvimento está funcionando de modo eficaz, a filial francesa acredita que o escritório central nos Estados Unidos é irracional, e assim por diante. Em suma, onde o diálogo é bem sucedido na organização, há uma pulsão sutil para a desorganização e para a negação recíproca de diferentes grupos".

terça-feira, 18 de maio de 2010

Gestão de impressões, gestão de sentidos

Em nosso dia-a-dia, dizer que se fala o que se pensa independente da situação ou do seu interlocutor é, por vezes, emitir um elogio a si mesmo. Alguns orgulham-se de ter esse “jeito de ser”. Outros até nomeiam essa característica: “sou frontal”, “sincero” e “tenho personalidade” (coisa que, diga-se de passagem, provavelmente até o Kaspar Hauser tinha). Tais expressões dão ares de virtude a, muitas vezes, uma agressividade gratuita. Bem, mas isso não vem bem ao caso. Voltemos.

Enfim, pensar bem o que se diz, considerar o contexto em que se fala, os interlocutores a quem se fala, são estratégias muitas vezes associadas à fraqueza de caráter, à falsidade, à dissimulação. O ser humano “autêntico” deve dizer o que pensa. Dito isto, podemos passar a falar de Gestão de Impressões nas organizações.

O termo Gestão de Impressões (GI) pode ser utilizado para designar uma série de modelos e teorias que buscam explicar estratégias utilizadas pelos sujeitos para gerar (e gerir) identidades sociais adequadas às condições em que estes se encontram; e que sejam funcionais aos seus objetivos. Uma forma mais comum de definir a GI é concebê-la como “a tentativa deliberada de os indivíduos influenciarem as imagens que os outros formam deles”.

Tradicionalmente – e como fica claro na definição acima – estas estratégias têm sido abordadas sob um espectro moral, com forte destaque a seu caráter negativo, bem como tem sido comumente caracterizadas como enviezamentos e falsidades. Corolário óbvio de uma abordagem moral é, naturalmente, uma ação de combate à Gestão de Impressões.

Proponho uma forma alternativa de refletir sobre o tema. Uma abordagem moral é digamos pouco produtiva no sentido de produção de conhecimentos. Assim, ancorado em algumas proposições feitas por Gomes (1993) sugiro que uma análise diferente das estratégias podem revelar toda uma dimensão da vida organizacional, cuja visualização é impossível quando temos à ponta do nariz as lentes de uma visão normativa e moralista acerca do comportamento humano em geral - e nas organizações, especificamente).

Para essa reflexão escolho as atividades de gestão/liderança, campo onde podem ser evidenciados muitos comportamentos associados à GI. Contudo, ver o exercício da Gestão nos moldes tradicionais – onde a GI é vista como algo a ser contornado ou eliminado – é absolutamente limitador e proceder assim implica dificuldades intransponíveis no âmbito da compreensão dos fenômenos e, conseqüentemente, das intervenções daí resultantes.

A GI relaciona-se, sobretudo, com as estratégias de comunicação – entre sujeitos e/ou grupos – de apresentação de si, dos outros, da empresa, de seus atos, etc. Neste sentido a analisaremos.

Como afirmado acima, a forma tradicional de abordar o tema da gestão de impressões, ancorada em cânones da Psicologia Social Experimental, é normativa e moralista (o termo “deliberada” retrata bem isso). Neste sentido, a gestão de impressões é vista como algo que aleija os processos comunicacionais (na medida em que afeta sua transparência), que falseia a realidade.

O que Gomes propõe é ter em conta a GI, mas não no sentido de a denunciar. Ao mudar a perspectiva, proporcionamos uma nova inteligibilidade às estratégias associadas à GI. Revelamos outras dimensões para análise. Para isso, torna-se fundamental contrapor alguns dos pressupostos sobre os quais a literatura tradicional está assentada:

• que as estratégias de GI são empecilhos para a compreensão da realidade (uma vez que tem como objetivo “deliberadamente” “distorcer” a suposta real imagem do sujeito)
• que, independente das circunstâncias, os sujeitos estão sempre em busca de passar uma imagem positiva acerca de si e de seus atos.

Ao observar de modo mais cuidadoso o comportamento nas e das organizações, de seus diferentes grupos e principalmente de seus gestores vemos que tais pressupostos estão fragilmente alicerçados. São, de fato, apreensões demasiado parciais da realidade organizacional.

Em primeiro lugar, assumir que as estratégias de GI são empecilhos ao alcance de uma “verdade” subjacente é partir da premissa de que a transparência é a norma da comunicação organizacional, ou seja, de que a “boa” comunicação é aquela que garante que a mensagem chegue “ilesa” ao “receptor”. Ao aceitar tal premissa estaremos pintando um quadro substancialmente inexato da comunicação humana.

Ora, como Gomes o diz, uma comunicação transparente nas organizações, para além de não ser possível – pois há, inevitavelmente, mediações cognitivas, simbólicas e culturais e, ademais, negociação e atribuição ativa de sentido – pode não ser desejável, uma vez que a comunicação transparente gera efeitos de difícil gestão, expectativas difíceis de corresponder.

Em segundo lugar, está o pressuposto de que todos buscam, a qualquer momento dado, produzir nos outros uma imagem positiva de si mesmo e de seus atos. Para além de não ser verificável, tal pressuposto é assumido porque o nível de análise neste caso é o do indivíduo. Quando adicionamos o ambiente, a situação, a cultura organizacional, vemos que nem sempre as estratégias de GI vão no caminho da “boa impressão”. Causar uma boa impressão nem sempre é algo funcional a quem tem um objetivo específico a atingir. Como o próprio Gomes exemplifica, ao nível organizacional, às vezes é melhor parecer estar mal, para assim conseguir sobreviver (conseguir subsídios, renegociações de dívida, dilatação de prazos, etc.). No nível individual, apresentar-se mal frente a pares pode também significar mostrar-se consciente de seus defeitos, sensatez, e neste sentido, evitar críticas e maiores questionamentos.

Dito isto, importa abordar a GI enquanto leque de comportamentos estratégicos que são, antes de qualquer coisa, parte essencial do trabalho (principalmente do trabalho do gestor). Tais comportamentos desvelam a dimensão política e os elementos culturais da organização.

Daí a importância de não combater tais estratégias, mas analisar a forma com a qual estas de fato contribuem para a gestão eficaz da ação de organizar (comunicar). Não se trata de buscar identificar até que ponto elas estorvam o caminho a uma “verdade” escondida, mas analisar a medida em que permitem a emergência de outras “verdades”, de dimensões culturais da organização ou de sua configuração política, por exemplo.

Tal abordagem encontra apoio em alguns pressupostos básicos:

1. que a identidade social de um indivíduo é objeto de sua gestão e, ademais, fazer essa gestão não é necessariamente um comportamento negativo, mas antes, esperado.

Por exemplo, um gestor não se comunica da mesma forma com diferentes atores organizacionais. Ele pode, em dado momento, precisar transparecer compreensão, consideração ou condescendência aos seus empregados, para conseguir a coesão do grupo e sua aceitação como figura central. Numa reunião com a Diretoria pode ser preciso passar uma imagem de firmeza, de rigidez de modo a garantir uma boa imagem, algo que facilitará sua busca por recursos financeiros para seu orçamento. Enfim, embora a boa parte da Psicologia advogue a existência de uma necessidade intrínseca de consistência na identidade, o que se observa é, muito amiúde, uma flexibilidade e maleabilidade com a qual podemos nos apresentar socialmente, conforme nossas intenções.

2. que as estratégias empregadas para gerir impressões revela elementos culturais e políticos da organização

Por exemplo, Imaginemos uma empresa fortemente alicerçada sobre a meritocracia e que tem como principal característica a valorização do conhecimento técnico como requisito para o exercício da liderança. Certamente, para legitimar-se na função, boa parte das ações de um gestor dessa empresa será no sentido de mostrar o domínio técnico (investir na própria capacitação, tratar os problemas técnico-operacionais de perto, “bypassar” um operador inexperiente). Numa empresa altamente autoritária e hierarquizada um rompante tirânico e agressivo não necessariamente afetará a imagem do líder. Poderá até ser compreendido como um líder “legítimo” justamente por fazer uso das prerrogativas que o próprio sistema sócio-político da organização confere à função de liderar.

Em outras palavras, lançar mãos de estratégias para gerir impressões exige um conhecimento, por parte de quem as emprega, dos aspectos culturais e políticos de sua organização. Analisar tais estratégias constitui um profícuo caminho para o estudo da cultura, por exemplo.




Talvez esteja mais claro agora a razão pela qual os comportamentos enquadrados na GI tornam-se particularmente importantes (e freqüentes) nas funções gerenciais. Um elemento que contribui ainda para isso é o fato de que o gestor tem “que se explicar ou prestar contas do que faz e do que diz”. Além de prestar contas há que legitimar-se continuamente frente a uma diversidade de públicos, sendo fundamental para tanto, a gestão dos sentidos que possam ser atribuídos aos seus atos.

Essa constante busca por legitimidade é outro fator que faz com que gestores lancem mão de estratégias de GI. É um desafio constante do gestor satisfazer os diferentes critérios de legitimidade assumidos pelas diversas partes envolvidas no contexto organizacional – sindicato, subordinados, pares, diretoria, superior imediato, acionistas, comunidade, etc.

Aqui, ser transparente não é algo desejável, é antes um obstáculo ao exercício eficaz de sua função (dita assim a eficácia enquanto a capacidade de responder às demandas que se impõem e, conseqüentemente alcançar a legitimidade necessária). Por outro lado, e a depender da cultura da organização (além de outros aspectos), parecer transparente pode ser uma estratégia adequada embora de difícil execução. De qualquer forma, do ambiente ambíguo, complexo e incerto no interior do qual se precisa fazer gestão pode-se esperar muita coisa, menos transparência.

Considerando que transparência e racionalidade são elementos de extremo valor em sociedades democráticas, é compreensível que parte da legitimidade da liderança relacione-se com ambos os critérios (obviamente há variações em função das diferenças culturais, estruturais e políticas entre empresas). Mas como ser transparente e racional frente a uma complexa rede de stakeholders quando isso simplesmente não é possível e, por vezes, indesejável. Ou seja, mais que buscar a racionalidade e a transparência – por serem aspectos valorizados – de fato, importa, na maior parte das circunstâncias importa parecê-lo:

“a conceptualização dos aspectos políticos da gestão simbólica mostra como a racionalidade, os objectivos e as preferências podem ser perspectivados como emergindo da acção, em vez de guiarem a acção. (...) a gestão do simbolismo organizacional tem como finalidade legitimar as preferências da coligação dominante, assim como legitimar decisões passadas, redefinindo-as e apresentando-as, no presente, como estratégias. (...) mesmo depois de tomadas as decisões, os gestores continuam à procura de informação, mas o tipo de informação que procuram não diz respeito a alternativas de decisão, antes se relaciona com informação complementar que apóie e confirme as decisões já tomadas (p. 63)”

Em tomadas de decisão, por exemplo, o gestor é constantemente confrontado com um ambiente incerto, ambíguo, imprevisível. Ademais, ele verá que a consideração de todas as alternativas possíveis é impossível, haja vista a impossibilidade de ter em conta e processar toda a informação disponível. A decisão, portanto, exigirá do gestor a sua criatividade, as suas interpretações. Ao mesmo tempo terá ele que justificar a decisão tomada perante um grupo diverso de partes interessadas. Logo, a decisão racional e justa é aquela que é defensável, que permite a sua ampla defesa discursiva. Isso porque é necessário, antes de qualquer coisa, parecer racional.

Esse é um ponto de fundamental importância para compreender o papel do gestor. Ele é antes de tudo um “gestor de sentidos, um gestor de impressões”.

Em seu discurso ele precisará, em determinados momentos, combater as percepções de incerteza e ambiguidade ensejando um discurso de transparência, em outros um certo grau de opacidade será desejável para o alcance de seus objetivos. De uma forma ou de outra, é parte essencial de sua tarefa tentar constranger a liberdade interpretativa dos stakeholders acerca de sua imagem e de suas ações.

De modo resumido, as razões pelas quais o tema foi abordado aqui:

1. Para realçar a importância de estudarmos as estratégias de gestão de impressões nas organizações, bem como para demonstrar que uma visão normativa pouco nos acrescenta em termos teóricos e tampouco no campo da intervenção.
2. Para mostrar que a visão normativa sobre tais estratégias estão fundadas sobre premissas frágeis: a) os sujeitos não estão sempre em busca de causar impressões positivas; b) uma comunicação absolutamente transparente não é senão um objetivo moral – não há lugar para castelo de vidros nas organizações nem devemos buscá-los; c) que os sujeitos têm (e devem ter) uma necessidade de coerência, algo fundamental para a noção de uma identidade social única e pouco mutável;
3. Para deixar claro que a identidade social de um sujeito é sim objeto de sua gestão e isso não coloca sobre o mesmo qualquer espécie de aura de falsidade.
4. Para sinalizar que a análise de estratégias de GI pode ser uma excelente forma de compreender a cultura organizacional (crenças compartilhadas, pressupostos básicos, valores, etc.)




Mintzberg e o Folclore da Gestão.

A descrição que Mintzberg faz das atividades dos executivos revela dois pontos essenciais que vimos a abordar: que a comunicação ocupa espaço privilegiado na função de liderar e, ainda, permite-nos visualizar um exemplo da forma tradicional de conceber a GI.

Mintzberg começa por separar o “folclore” da “realidade” da função gerencial. Aquilo que o executivo declara fazer não é o que de fato faz. Se perguntado sobre seu papel, dirá que coordena, planeja, organiza, etc. Mintzberg trata essa discrepância como falha, e aponta-a como elemento constituinte de muitos dos problemas da administração.

Seguindo a linha que empregamos até agora, mais que buscar uma verdade oculta, a “realidade” do que o executivo faz e ver o discurso como falso ou simplesmente errado, cabe-nos sair do conteúdo da mensagem e ir além:

Muito mais que o conteúdo de sua resposta, interessa-nos o que o executivo que responde a estas perguntas “deixa transpirar” quando o faz. Ora, ao dizê-lo, ele deseja que seu papel seja visto sob o prisma da racionalidade, previsibilidade, inteligência, entre outras coisas. Essa é uma forma legítima de se apresentar, de parecer merecedor de seu cargo. Mas, de fato, planejar, organizar e coordenar dizem muito pouco do que o executivo de fato faz.

Dentro do que Mintzberg classifica como “reais” atividades do executivo estão vários papéis, os quais ilustram a importância de estratégias de GI. Na verdade, a maior parte dos dez papéis que o autor considera como a essência da função da gestão mantém essa forte relação.

Por exemplo, boa parte das atividades do gestor prende-se à imagem de chefe e consiste em atividades de natureza cerimonial as quais reiteram a autoridade e representatividade que precisa ser atribuída à figura do chefe. Em parte associado a este está o papel do líder, que engloba atividades ligadas ao exercício da liderança. Aqui, as atividades giram em torno da gestão da imagem que seus subordinados fazem dele: “será que ele aprova?”, “como ele gostaria que fosse feito esse relatório?”.

Mintzberg aponta ainda vários outros papéis fundamentais tais como o de “monitor”, “contato”, “porta-voz”, “manipulador de distúrbios”, “navegador” e, principalmente, “disseminador”. Essa análise do trabalho do gestor, empregada pelo autor, revela sobretudo a natureza comunicacional da atividade da liderar – bem como a natureza estratégica dos comportamentos neles implicados. Logo, liderar de modo eficaz é, em grande parte, comunicar de modo eficaz. Mas que não se entenda que a eficácia signifique clareza e transparência na comunicação.

O segundo ponto, é que as conclusões que efetua a partir da análise só são possíveis se enquadradas na visão tradicional de que tratamos aqui. Especificamente quando diz que as principais “dificuldades” enfrentadas pelo executivo constituem efeitos da ênfase que este dá em tratar informações de natureza verbal (na imprecisão de uma única cabeça), na recusa em fazer uso das informações sistemáticas em bases de dados técnicos. Neste sentido, o “hábito” do executivo médio está prejudicando o exercício ideal (entenda-se: racional) da função

A partir de sua visão acerca do que a função executiva deve (prescrição) ser, ele a analisa no seio de uma dicotomia infrutífera do ponto de vista da compreensão(Folclore – Realidade). Dicotomia esta que, aliás, enseja várias outras (Ruim – Bom; Falso – Verdadeiro) igualmente paralizantes. Assim, e como não poderia deixar de ser, ele propõe que um dos principais desafios do gestor é encontrar métodos sistemáticos que lhe permitam compartilhar suas informações privilegiadas. Ou seja, a solução é a transparência, a disseminação da "verdade".

Esta forma de ver a questão (como problema a ser resolvido) assenta-se sobre o ideal da transparência e, sobretudo, da racionalidade, como se fosse algo a ser buscado no exercício eficaz das funções gerenciais. Quando na verdade, muito amiúde, resolver as questões que se impõem, responder às múltiplas demandas que se apresentam e, ao mesmo tempo, ser racional e transparente são objetivos mutuamente excludentes. Ora, os mesmos processos que Mintzberg entende que estão na base de um problema, são aqueles que permitem a um gestor atender de modo eficaz as demandas que a ele se impõem.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Caça às Bruxas

Os processos relacionados com feitiçaria acompanharam praticamente toda a Idade Média. Milhares de pessoas, em sua maioria mulheres, foram acusadas de praticar “feitiçaria” e uma grande parte destas encarou a fogueira.



Mais do que a feitiçaria, a caça fervorosa às suas representantes, desempenha durante esse período, inúmeras funções em diferentes perspectivas: no plano do psiquismo individual, no plano sociológico, do estado e da religião. Concentro-me sobre a função do discurso sobre feitiçaria e feiticeiros ao nível do psiquismo individual. Cito Delumeau:

“Graças ao feiticeiro, as desgraças insólitas que atingiam os indivíduos, encontravam uma explicação”.

Dito de outra forma: a concepção da feitiçaria desempenhava principalmente uma função explicativa. Ela oferecia uma explicação coerente e – principalmente – inteligível para os acontecimentos. Constituía, portanto, uma forma de combater a ansiedade inerente ao desconhecido, pois nomear o desconhecido é, antes de qualquer coisa, tranquilizador. Não por coincidência as acusações de feitiçaria proliferam de forma mais intensa durante crises econômicas e surtos da peste. Além disso,

“as acusações de feitiçaria ajudam indiscutivelmente a descarregar uma agressividade reprimida por um tempo demasiadamente longo, uma tensão muito duradouramente contida; sua função catártica não deixa dúvidas. Assim deslocadas, representadas, as oposições tendem (...) a se resolver no plano da afetividade: o grupo precisa necessariamente escolher um bode expiatório sobre o qual vai polarizar-se a agressividade. Essa descarga emocional (...) acarreta, por eficácia simbólica, a abolição dos conflitos”.

Assim, as acusações constituem um forte instrumento de afirmação da norma, já que as suspeitas são levantadas sobre pessoas que, de alguma forma, representam o estranho.

“Elas (as acusações) tinham por origem tal pessoa da aldeia considerada malévola por causa de seu comportamento estranho, de suas anomalias físicas ou de má reputação”

As acusações de feitiçaria apenas fazem sentido no interior de um discurso onde o mundo rapidamente transforma-se em preto e branco, previsível e, por essa razão, mais “habitável”. A redução das complexidades e a conseqüente simplificação da realidade social e natural constituem artifícios através dos quais manifestam-se os efeitos tranqüilizadores das questões em volta da feitiçaria.

Apesar de revestidos de uma pretensa racionalidade, os rituais de inquisição, mais que uma busca criteriosa por provas e evidências, constituíam um instrumento de produção e reprodução de uma verdade anterior a seu empreendimento.


De forma semelhante, nos EUA da década de 50, a caça aos comunistas liderada pelo senador McCarthy, pintava um mundo polarizado, maniqueísta, com todos os ingredientes necessários para a euforia coletiva em torno do comunismo: ignorância da população, cultivo sistemático da sensação de ameaça externa, encorajamento de crenças conspiratórias.

Em tal contexto, assim como na Europa Medieval, a descarga da agressividade tinha alvos bem definidos. Ao mesmo tempo, o discurso exercia uma função normatizante, já que possibilitava aos americanos levantar suspeitas sobre aqueles que, de alguma forma, representavam desvios da norma e cujas narrativas não obedeciam uma sintaxe aderente à linguagem do discurso hegemônico.

No plano individual, e assim como nas suspeitas de feitiçaria do passado, as acusações de comunismo constituíam uma forma aceitável (e compreensível) de exprimir hostilidades voltadas ao outro, já presentes anteriormente.

As audições no senado não seguiam procedimentos muito diferentes daqueles descritos nos manuais da inquisição e implementados de fato em tais processos. A função catártica desses rituais de pretensa “extração” da verdade - no caso dos EUA, transmitidos nacionalmente pelos canais de televisão - facilitou a reificação do discurso radical que se ensejava.

Neste sentido, mecanismos semelhantes têm operado nos mais diversos grupos sociais através do tempo e espaço, alimentando-se dos mesmos medos e anseios inerentes ao “estar no mundo” (medo do que é estranho, desconhecido e, principalmente, daquilo que é incompreensível) bem como de nossos desejos normativos (a necessidade de “colonizar” nossa realidade).

Assim visões de mundo homogeneizantes e maniqueístas são construídas sobre terreno fértil. As organizações de trabalho, como qualquer outro grupo social, apresentam óbvios paralelismos a essas questões, os quais, quase sempre, passam despercebidos pelo discurso pretensamente racional sobre o trabalho.

A gestão de pessoas, por si mesma um convite ao que é complexo e ao incompreensível, muito amiúde desperta naqueles responsáveis por ela, a necessidade de pintar um mundo simples, onde o certo e o errado estão claramente à nossa frente. Não à toa os gestores constituem um contigente ávido por certezas fáceis, por soluções cabais e dispostos a promover alguns a "gurus". Tudo isso ajuda a tirar convenientemente o enorme peso da responsabilidade de decidir onde não se sabe ao certo o que se deve fazer.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Professora discutia promoção antes de matar três a tiros em universidade dos EUA

Notícia

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cultura de Elite

Falar em cultura organizacional tornou-se bastante comum. Desde que o "modo de trabalhar" dos japoneses “invadiu” o ocidente, os questionamentos sobre esse aspecto das organizações emergiram não como uma mera curiosidade antropológica, mas - sobretudo dentro da linguagem do "management" - como uma variável essencial para a sobrevivência em termos de competitividade.

O debate sobre cultura nas organizações está longe de possuir amenidades. Muitas são as questões polêmicas: Organizações têm ou são culturas? É possível gerir cultura? Que dimensões constituem a cultura de uma organização?

Por um lado,aqueles que concebem as organizações como uma cultura defendem a impossibilidade de sua gestão, a impossibilidade de mudar de forma planejada aspectos da cultura. Por outro, gestores e consultores, por sua própria condição de interventores de realidades organizacionais, assumem a cultura como uma variável a ser tida em conta e que precisa ser gerida (mensurada, alterada, monitorada).

Independente de assumirmos uma ou outra posição em relação a estas questões, é certo que identificar aspectos culturais numa organização não é um exercício simples.

A cultura de uma empresa, em geral, reflete a forma como um determinado grupo de pessoas representa a si mesmo, como organiza sua vida laboral e, em última instância, reflete as maneiras que organização tem encontrado para resolver seus problemas e manter o seu desenvolvimento dentro do contexto em que está inserida.

As organizações têm aspectos particulares que podem ser referidos como culturais. Em qualquer organização podemos peceber valores compartilhados (competitividade, inovação, respeito ao meio-ambiente), rituais (como novos membros são recebidos e integrados, como são as festas para celebrar promoções, etc), heróis (o líder fundador, o empregado de outrora que está presente nas estórias e anedotas) normas (alguns comportamentos tácita ou explicitamente encorajados e outros mal vistos), símbolos (logomarcas, títulos, etc.), mitos sobre a história da organização, etc.

Apenas para efeito deste texto, partimos de uma concepção funcionalista de cultura e assumimos que as organizações têm cultura. Dessa forma a cultura pode ser coisificada e, claro, concebida em termos de seus elementos constituintes. Essa é apenas uma forma de analisar cultura organizacional. A opção por essa perspectiva deve-se simplesmente por esta tornar mais inteligíveis alguns elementos culturais (como aqueles mencionados acima)a que muitos autores referem.

O filme Tropa de elite, sucesso de bilheteria no Brasil, é um objeto interessante de análise uma vez que nele acentuam-se aspectos da cultura de uma organização. O enredo tem inúmeras ilustrações de como aspectos da cultura de uma organização se desenvolvem, como são repassados, materializados nas práticas organizacionais e nas atividades diárias de seus membros.



Tropa de Elite inicia-se com o discurso absolutamente passional de um membro do BOPE acerca de sua atividade. Para alguém que ocupa um cargo de liderança nessa organização, seu trabalho é algo central. Seu uniforme é deixado no armário ao fim do dia mas a “carapaça” permanece sobre seu corpo. Para o integrante do BOPE a fronteira entre vida pessoal e profissional “deve” ser praticamente inexistente. Logo de início, um valor essencial da cultura do BOPE é revelado: o lugar do trabalho na vida de seus integrantes.

Ainda em sua narrativa inicial o líder do BOPE deixa clara a forma como a organização representa a si mesma. O BOPE desempenha uma função social nobre: é um grupo especial criado para atuar em situações de crise efetuando operações de alto risco contra o crime organizado do Rio de Janeiro. A missão de uma organização é parte integrante da cultura de uma organização, é uma de suas partes visíveis. Ela relfete valores organizacionais, conta um pouco de sua história, norteia objetivos e estratégias organizacionais.

A forma de posicionar o BOPE no cenário policial carioca revela alguns aspectos da imagem do BOPE que são cultivados e repassados entre seus membros. Em um ambiente onde o crime organizado e a força policial “comum” parecem estabelecer uma relação simbiótica que perpetua a existência disfuncional de ambos os lados, o BOPE é pintado como uma alternativa para a solução das questões que “incomodam” a sociedade (elite e a classe média) carioca. Ora, é nesse cenário que uma organização como o BOPE faz-se "necessária" e, consequentemente, possível. Manter a identidade da organização como algo diferente do que já "aí estava" é fundamental até mesmo como meio de legitimar sua criação e continuidade.

Assim, a estratégia de diferenciação é fundamental no desenvolvimento da identidade da organização e, consequentemente, de seus membros. Como qualquer outro grupo, ela é moldada a partir de grupos de referência, quer seja pela oposição (à Polícia Militar do Rio de Janeiro) quer pela equiparação (ao exército de Israel). Mas no BOPE, pelas razões aqui expostas, a explicitação da diferença (até em seu nome "Elite") é uma necessidade em contínuo relevo. Ao falar sobre si mesma dessa maneira a organização confere um sentido de pureza, probidade e até heroísmo. E essa forma de representar a si mesma reproduz-se nas narrativas individuais dos integrantes da tropa.

A construção de uma forte imagem é essencial não apenas, como referimos acima, para legitimação de sua existência enquanto organização, mas também ajuda a atrair recrutas cujos valores refletem os da organização, mas também para manter os membros orgulhosos de pertencer à mesma.

As formas de representação não estão expressas apenas no discurso de seus líderes e integrantes, elas materializam-se no dia-a-dia pelo uso de um uniforme preto (em oposição ao cinza da polícia militar) com um símbolo bastante peculiar (a caveira com a faca na boca), através dos treinamentos rigorosos, do estrito código de conduta que transparece para os indivíduos de fora da organização, na relação com os demais grupos, etc.
Neste sentido, é possível compreender a influência dessa variável sobre os diversos processos organizacionais (ex. Seleção de Pessoas, Treinamento, etc.). As práticas de recursos humanos, assim como os símbolos, ritos, etc, ao mesmo tempo em que refletem valores e crenças comuns, contribuiem para a reafirmação contínua dos mesmos.

Vemos, através do filme que muitos aspectos peculiares da organização BOPE estão materializados nas práticas de recursos humanos. Os processos de recrutamento e seleção são um exemplo claro. A entrada de novos membros em uma organização representa uma potencial ameaça à cultura estabelecida, uma vez que estes trazem, via de regra, novas perspectivas, novos valores, novas formas de realizar uma mesma tarefa. Os processos organizacionais envolvidos desde a entrada até a efetivação de um novo membro no BOPE são concebidos para que nada dessa natureza aconteça. Elas constituem um forte instrumento de manutenção cultural.

Assim, primeiro é preciso atrair pessoas que, logo à partida, se identificam com os valores e objetivos do BOPE. Isso se faz através da gestão da imagem da organização para grupos de interesse. Os dois recrutas protagonistas do filme são os representantes prototípicos do público-alvo do processo de recrutamento estabelecido. São policiais qualificados, insatisfeitos com a corrupção na força policial, altamente identificados com seu os objetivos “míticos” (combater o crime organizado), e alinhados ao discurso maniqueísta a respeito da relação crime/sociedade que é diariamente veiculado na organização.

A propósito, este é um dos valores centrais do BOPE que emergem claramente no filme: o repúdio à corrupção e a valorização da honestidade de seus membros. Tal valor influencia marcadamente o recrutamento e a seleção de seus potenciais membros ao ponto de, durante o curso de formação, a perseguição a candidatos com histórico de envolvimento com corrupção seja não apenas aceita pelos instrutores, mas de fato encarada como “a” forma correta de conduzir o processo.

Assim, verificamos que o processo de seleção em si tem um objetivo principal: além de identificar os potenciais membros do BOPE através da avaliação criteriosa de habilidades, conhecimentos, os líderes do BOPE estão avaliando principalmente o grau de aderência dos novos membros ao valores do BOPE.

Um objetivo secundário – e complementar – é alcançado indiretamente a partir da maneira como o processo é desenhado: os potenciais membros são socializados com o modo de funcionamento da organização (o rigor, o padrão de excelência exigido, a necessidade de abnegação em nome da organização). Eles entram em contato com partes significativas do “modo de ser” no BOPE, conhece seus símbolos, e aprendem – através dos cantos, por exemplo – o que deve ser valorizado dentro do grupo. Durante esse processo, eles passam a ter um contato inicial com as normas explícitas e implícitas, a conhecer o que é aceito e o que não é, o que é certo e o que é errado. Diferente de outras organizações, onde essas normas tácitas e valores são mais opacas, no BOPE elas estão claramente à mesa.

Durante os treinamentos subsequentes o processo de socialização é levado adiante nos mesmos moldes: severa punição dos desvios à norma, estabelecimento de uma hierarquia estrita, introdução às “histórias” que correm na organização, encorajamento de ações em consonâcia com aquilo que a liderança considera correto.

Em resumo, os processos de gestão de pessoas no BOPE são sobretudo veículos de reafirmação contínua dos valores e dos pressupostos básicos que veiculam na organização. Eles refletem e ao mesmo tempo possibilitam a manutenção desses que são componentes essenciais da cultura de uma organização. Quer implícita, quer explicitamente, os líderes do BOPE estão absolutamente interessados na gestão da cultura de sua organização. Mais precisamente, estão interessados em manter estáveis seus principais elementos e em uniformizar ao máximo as narrativas que seus membros constróem sobre si mesmos e sobre a organização.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ato Médico

Segue o link para uma entrevista sobre o Ato Médico

ENTREVISTA

Dejours

Caros,

Segue o link para a interessantíssima entrevista com Christophe Dejours.

"Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal"
ENTREVISTA