Com razoável frequência tomamos conhecimento de casos de preconceito, assédio, e discriminação no trabalho. O gênero, a cor, idade e a orientação sexual são algumas das características pessoais que geralmente estão presentes nesses casos.
Para ajudar a compreender muitas dessas histórias a noção de estereotipagem é importante.
Apesar da péssima fama, o estereótipo é resultante do (ou pelo menos apóia-se sobre o) processo natural de conhecer. O processo de construção de conhecimento humano pressupõe a criação de categorias relativamente estáveis compostas de certas de características.
Para conhecer é essencial que criemos padrões abstratos e identifiquemos suas correspondências na realidade. Assim podemos lidar com a complexidade do real: ora associamos mais elementos a um categoria, ora modificamos ou criamos uma categoria para incorporação de elementos novos, desconhecidos.
O problema acontece quando tornamos rígidas as nossas categorias conceituais. Tal fato pode servir a diversos propósitos. A rigidez de uma categoria está na base da formação do estereótipo.
Mais especificamente, o problema começa a surgir quando formamos idéias acerca de um determinado grupo de pessoas (mulheres, médicos, homossexuais, bombeiros, etc.) bastante simplificados. Boa parte dos estereótipos que construímos são repletos de aspectos negativos e funcionam como matrizes identitárias.
Contudo, a essência problemática do estereótipo está precisamente que no fato de que nos utilizamos dele – esse esquema cognitivo disfuncional – como fonte primordial para análise da realidade social.
Ou seja, as consequências são profundamente negativas quando resolvemos economizar esforços cognitivos e acreditar que, por exemplo, conhecemos uma pessoa em sua plenitude apenas pelo fato desta pertencer a uma determinada categoria (Ex.: gênero, grupo profissional, etc.).
No exemplo acima o que acontece é que eu atribuo automaticamente a uma pessoa as características que julgo constituir a essência do grupo ao qual ela pertence. Para piorar, essa atribuição passa a influenciar a minha interpretação acerca dos atos de um integrante de determinado grupo. Geralmente essa influência passa despercebida e acredito que minha interpretação é isenta de qualquer viés.
Um exemplo: Um sujeito acredita que advogados são, em geral, "oportunistas”. Essa crença é uma das colunas de sustentação do estereótipo que o tal sujeito construiu em relação a esse grupo/categoria. Para que isso faça sentido, projeto uma aura de homogeneidade sobre um grupo de pessoas (Advogados) que, na realidade, é absolutamente complexo e diverso. Ao conhecer um advogado ele tende a perceber o que há de “oportunismo” em suas ações. E quem procura...acha.
Um dos estereótipos mais conhecidos é o de gênero. Desde cedo aprendemos que mulheres “funcionam” de um jeito e homens “funcionam” de outro. Aprendemos que é “normal” que uma mulher seja assim e que é normal que um homem seja “assado”. Essas idéias estão fortemente presentes e ilustradas no dia-a-dia de qualquer organização de trabalho.
São muitos os estudos que evidenciam a desigualdade entre homens e mulheres no trabalho. Apresento aqui alguns dos resultados sintetizados por York et al (2008):
- Em 1988, Buttner e Rosen verificaram que uma população de bancários (em atividade de empréstimo e financiamento) atribuíam mais a homens características de personalidade associadas ao conceito de empreendedorismo.
- No mesmo ano, um estudo de Dobbins mostrou que um grupo de avaliadores com estereótipos tradicionais de gênero forneciam avaliações de desempenho menos precisas para mulheres do que um outro grupo de avaliadores.
- Em 1993, um outro estudo mostrou que os escores de desempenho eram significativamente menores para mulheres grávidas.
- Snipes, em 1998, encontrou que as percepções de recrutadores acerca do futuro desempenho do candidato (a um emprego) eram mais favoráveis a homens que a mulheres
- Um outro estudo, em 2005, demonstrou que mulheres eram consideradas, por membros de suas equipes, menos competentes e menos importantes para as decisões do grupo. Ademais, eram vistas com menos frequência como líderes.
Outros inúmeros estudos poderiam ser mencionados. Obviamente, não podemos atribuir à estereotipagem a responsabilidade pela existência das desigualdades entre homens e mulheres. Contudo, é seguro pensar que o estereótipo é não apenas uma expressão da desigualdade, mas um importante elemento na perpetuação da mesma.
Em outro texto aqui nesse blog eu mencionei um estudo realizado no Brasil sobre a formação dos executivos. Nele, os autores destacam a narrativa estereotipada e limitada que constrói o “ser executivo”.
Assim, os jovens pretendentes a essas posições de destaque no mundo corporativo terminam por incorporar essa narrativa e traduzí-la em comportamento.
A pretendente do sexo feminino, em particular, sofre duplamente.
Primeiro poqrque precisa (nisso ela não difere do homem) conformar-se a um modelo pre-concebido. Isso exige uma “engenharia comportamental” complexa e muito pouco tranquila. Às custas de leituras dos “Quem mexeu no meu queijo” e das “Você SA’s” do mercado, forjam uma identidade profissional que nem sempre são congruentes com seus valores, crenças e atitudes. Desse processo resulta um repertório limitado de comportamentos que refletem as características tradicionalmente associadas aos líderes e executivos de sucesso.
Segundo porque, por mais que tente, nem sempre suas ações são interpretadas da mesma forma que as mesmas ações feitas por um homem. Ao tentar conformar-se ao modelo estabelecido - fonte da narrativa sobre o sucesso empresarial - suas ações são interpretadas sob as lentes do estereótipo tradicional de gênero. Sob essas lentes o observador espera certos comportamentos de mulheres e de homens. Logo, os parâmetros de interpretação também são diferentes.
Aqui copio as conclusões de um estudo de 2004 segundo o qual “quando mulheres agem assertivamente (característica essencial do “líder de sucesso”) são vistas como agressivas; homens esperam reciprocidade de outros homens, mas das mulheres espera-se que sejam altruístas; Homens agem em função de sua auto-promoção e fazem suas conquistas serem notadas por todos, mas quando uma mulher faz o mesmo ela é vista como problemática”.
A despeito das muitas tentativas de trabalhar positivamente as questões de gênero nas organizações, elas persistem no dia-a-dia, traduzida nas micro-relações entre trabalhadores e alimentadas por estereótipos negativos. A ilusão de que a mesma será devidamente equacionada através de canetadas - a exemplo da lei sancionada neste ano por Obama - serve de pouco consolo. Por outro lado, a idéia de que as questões de gênero são apenas algo mais a ser "gerido" por empresários, diretores e executivos, parece também não somar muito e aparentemente adia a necessidade de uma discussão mais ampla.