terça-feira, 29 de setembro de 2009

Nelsinho Piquet: Um Enredo Comum


Desde criança Nelsinho sonhou em trabalhar para uma grande organização da qual seu pai é um dos símbolos. Entrar nesse mundo significaria continuar a fazer parte do meio onde cresceu, mas agora como protagonista. Queria ser como seu pai, um reconhecido talento na tal organização.

Desde muito cedo ele cultivou seu sonho e acreditou, como muitos outros, que esse sonho deveria ser perseguido a despeito de quaisquer obstáculos. Absorveu que a determinação e a perseverança são características marcantes daqueles que se sobressaíram (tal como seu pai). Aprendeu que quando a meta é alcançada o afago sempre vem, independente da forma como isso tenha sido feito. Viu, com seus próprios olhos, que a linha entre o certo e o errado é muito tênue nesse mundo e que o resultado alcançado, em geral, determina o lado para o qual a linha pende.

Há poucos meses o mundo, estupefato, assistia o desenrolar do caso Nelsinho Piquet. Curiosos, comentaristas, repórteres e “celebridades” opinavam sobre o assunto. As opiniões eram as mais diversas. O que havia de comum era um certo ar de indignação e surpresa nos discursos.

Se realizarmos uma análise mais aprofundada da história da Fórmula Um, vemos que não há elementos suficientes para justificar tamanha surpresa. Ora, a trama em que Nelsinho esteve envolvido é apenas o mais recente dos inúmeros enredos onde pilotos e dirigentes de Fórmula Um “jogaram sujo” para alcançar seus objetivos.

Ao que me parece, na Fórmula Um é comum que alguns princípios éticos – os quais, pelo menos em tese, regem muitos esportes, sejam violados. Na maior parte dos casos, ferir a ética pode ser um efeito colateral de pouca significância quando se consegue o que todos valorizam: a vitória, o resultado.

A cultura Fórmula Um, e do esporte de alto rendimento em geral, é a cultura do resultado e da competição a qualquer custo. São valorizados, essencialmente, o resultado alcançado, o desempenho excelente. Como se chega lá não é algo tão importante assim. Desde que...se chegue.

Toda cultura tem heróis. Eles são ícones/símbolos e encarnam aquilo que as pessoas de uma organização valorizam. Steve Jobs é modelo de liderança e competência pra Apple, Bill Gates o é para a Microsoft. As “estórias” sobre os heróis que são contadas e recontadas, na Fórmula Um como em qualquer organização, ajudam a construir a identidade do grupo e a deixar mais claro para seus membros o que é aceito e valorizado bem como aquilo que é rechaçado.

Voltando à Fómula Um...conta-se que Ayrton Senna era a determinação em pessoa. Um homem que, acima de tudo, buscava a perfeição técnica incessantemente. Conta-se que quando ainda andava de Kart ele correu num dia de chuva e seu desempenho foi péssimo. Rodou várias vezes e seu tempo era muito ruim. Desde esse dia, Senna treinava em seu kart sempre que chovia durante horas e horas. Essa determinação, que em outros meios poderia ser visto sob o colorido negativo de perfeccionismo e workaholism, levou-o a ser bom na chuva e, consequentemente, ajudou-o a ser um dos ícones desse grupo. A estória, mais que relatar um fato “glorioso”, estabelece uma “norma”, instaura um “modelo” que servirá de referência aos que aspiram a campeão.

É bem verdade que o mesmo talentoso e determinado Senna, em 1988, bateu intencionalmente no carro de Alain Prost e, dessa forma, garantiu o título do campeonato daquele ano. No ano Seguinte o francês deu o troco e ficou com o título. Em 1994, Michael Schumacher, maior vencedor da história da fórmula 1, tirou o inglês Damon Hill da disputa do campeonato ao empurrá-lo propositadamente pra fora da pista numa curva (vale lembrar que o alemão era dirigido pelo tal Briattore, atual bode expiatório da F1). O mesmo Schumacher em 97 tentou fazer o mesmo com Villeneuve na disputa pelo título, mas sem sucesso. Nos anos de ouro da Ferrari o “espírito de equipe” falou alto (de modo assaz conveniente) e Barrichelo teve de deixar seu companheiro passar e vencer a corrida. Em 2007, Fernando Alonso fez com que seu companheiro de equipe, Lewis Hamilton, tivesse seu pit stop atrasado. Recentemente a McLaren foi acusada de praticar espionagem e copiar os segredos da Ferrari. Em 2008, o dirigente da Renault ordenou que Nelsinho provocasse um acidente para favorecer o outro piloto de sua equipe.

Esses são apenas alguns dos eventos envolvendo grandes campeões (pilotos e dirigentes) da categoria, símbolos que servem de exemplo para os pilotos aspirantes. Somem-se a esses, inúmeros pequenos acontecimentos que deveriam nos fazer questionar se tais eventos são desvio ou se configuram a norma tacitamente aceita.

Na Fórmula Um toda a estrutura está desenhada não apenas para permitir mas, além disso, encorajar acontecimentos desse tipo.

As equipes são, em geral, divididas em dois times, cada um responsável pelo desempenho do carro de um dos pilotos. Assim, a lógica vigente da competição a qualquer preço entre as equipes estende-se à dinâmica intra-equipe.

Os pilotos são moldados ao longo de suas carreiras para adequar-se à idéia construída acerca de como deve ser um piloto de sucesso e, consequentemente, são avaliados em função da compatibilidade com o modelo criado. Para ingressar na F-1 seus resultados em outras categorias de automobilismo falam mais alto que qualquer outro critério, inclusos aí quaisquer critérios com referência a princípios éticos.

Algo semelhante acontece com os dirigentes das equipes. Estes são figuras emblemáticas, reconhecidamente azedas, impessoais. Algo esperado para quem foi selecionado exclusivamente pelos resultados que obteve e que precisa seguir com os resultados para manter-se no cargo. Logo, a coação, intimidação e o assédio a seus funcionários – aspectos que transpareceram no caso Nelsinho – não são encarados como absurdos, mas instrumentos de gestão até certo ponto aceitáveis dentro de determinados contextos. De alguma forma os dirigentes de equipes haverão de fazer a roda da Fórmula Um girar e para isso tudo vale.

É bastante confortável para os atores envolvidos (pilotos, dirigentes, diretores, imprensa e público) atribuir a responsabilidade pelo que acontece de “ruim” na Fórmula Um a “alguns poucos dirigentes gananciosos” e outros “nem tantos pilotos de caráter duvidoso” . Dessa forma, aparentamos encontrar a solução para o problema e alimentamos a idéia de que os princípios éticos da "Fórmula Um de outrora” foram “restaurados”.

Ao mesmo tempo em que são peças fundamentais para a manutenção engrenagem cruel que sustenta esse esporte, os dirigentes de equipes e pilotos por vezes são feitos de bodes expiatórios quando a situação convém. É a velha lógica de atribuir o “mal” funcionamento de um sistema doentio a algumas “maçãs podres”, fomentando no público a ilusão de que ao extirpá-las, o “bom” funcionamento do sistema será restaurado.

No ambiente criado e sustentado pelos integrantes do circo da Fórmula Um (pilotos, dirigentes, imprensa) tudo o que veio à tona no caso Nelsinho de forma mais intensa acontece em maior ou menor grau no dia-a-dia das equipes. A lógica cruel do desempenho a qualquer custo está impregnada na hierarquia das equipes, na configuração das relações de trabalho e nas relações interpessoais, na forma como acidentes foram e são tratados, nas anedotas e histórias contadas e recontadas diariamente, etc.

Isso porque, apesar da narrativa oficial em contrário, os valores centrais da Fórmula Um não são aqueles implícitos nas máximas esportivas segundo as quais “o importante é competir” ou “que vença o mais rápido”. O chamado Fair play nesse esporte é algo até desejável e, sim, faz parte do discurso oficial. Mas se não der pra conseguir...bem, existem coisas mais importantes/urgentes...

A Fórmula Um, por ser objeto de atenção e escrutínio do grande público, mostra de forma mais acentuada uma dinâmica doentia das relações de trabalho onde princípios éticos são relativizados. Contudo, ela é uma ilustração exemplar daquilo que de fato está em vigor no mundo corporativo atual. Basta assistir a algumas palestras motivacionais, ler algumas revistas da área e até assistir alguns filmes (ex.: "O diabo veste Prada").

Interessante nomear a organização Fórmula Um de circo: “o circo da Fórmula Um chegou a Interlagos”. No circo tudo pode acontecer e o show tem que continuar...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Vítimas do Groupthink

O livro de Irving Janis “Victims of Groupthink”, publicado na década de 70, popularizou em definitivo o conceito de groupthink no meio acadêmico e no universo da gestão. A acessibilidade de seu conteúdo foi especialmente importante para a disseminação do termo no público em geral. Além da forma coloquial de expor suas análises, a escolha de Janis de discutir casos famosos da história norte-americana sob a ótica do groupthink tornou o livro bastante atrativo.

Casos como a invasão na Baía dos Porcos coordenada clandestinamente pela CIA, a explosão do ônibus espacial Challenger, o caso Watergate, a crise dos mísseis em Cuba, fazem parte da história e povoam o imaginário norte-americano e mundial.

O Pensamento de Grupo, como alguns traduzem o termo para o português, é um conceito que caracteriza uma determinada situação onde as pressões para a conformidade ao grupo e a busca pela manutenção da coesão grupal resultam em depreciação da capacidade do grupo de tomar decisões eficazes.

O caso da explosão da Challenger tem sido bastante explorado como exemplo clássico de groupthink. Na ocasião um problema no anel de vedação de combustível foi subestimado pelos maiores especialistas em engenharia, não apenas da NASA mas da empresa que projetou a espaçonave, e esse fato levou a um trágico vôo de 70 segundos ocasionando a morte dos sete astronautas da tripulação.

O conceito de groupthink ajuda-nos a compreender como um grupo de pessoas extremamente capazes toma uma decisão trágica mesmo quando todas as evidências de risco são claras.

No livro supracitado, Janis ilustra as principais características do groupthink com elementos dos processos de tomada de decisão no caso da Challenger (cito apenas alguns a título de ilustração):

Ilusão de Invulnerabilidade – Ao ser questionado por um dos engenheiros projetistas acerca do risco de lançar a Challenger nas condições adversas de então, um dos diretores da NASA afirmou, cinicamente, que o tal risco era o mesmo que eles tiveram nos outros inúmeros (e bem sucedidos) lançamentos. Nas entrelinhas do discurso lemos que a NASA, ou aquele grupo em especial, sentia-se inatingível, invulnerável ao erro e ao engano.

Pressão sobre a dissidência – Um dos engenheiros projetistas afirmou que, uma vez que os anéis nunca haviam sido testados em temperatura tão baixa, o lançamento deveria ser adiado até que o clima fosse favorável. A resposta de um dos diretores da NASA, endossada pelos presentes, foi seca e sarcástica: “O senhor realmente espera que a NASA aguarde até abril para fazer esse lançamento?”. Há diferentes formas de censura dentro dos grupos. Em muitas equipes de trabalho os dissidentes são sistemática e sutilmente ridicularizados. Logo recebem rótulos como “advogado do diabo” ou “do contra”. Opiniões contrárias àquela inicialmente aceita pelo grupo são analisadas superficialmente para logo serem rejeitadas. Toda essa dinâmica é criada num grupo imaturo, geralmente onde a liderança é passiva. A caça às bruxas serve à manutenção do bem estar psíquico do grupo pelo caminho mais curto. Ou seja, ao designar bodes expiatórios e rotular pessoas com opiniões contrárias o grupo evita conflitos e desgastes porque os entende como ameaças à sua própria integridade.

Auto-censura – O grupo estava se posicionando claramente a favor do lançamento na data prevista. Estava claro também que as posições contrárias não eram bem vistas pelo grupo. Nessa dinâmica, mesmo quando as posições contrárias são expostas, isso é feito de maneira a evitar o confronto. Por exemplo, na última videoconferência um dos engenheiros, que tentava defender uma posição contrária, nunca chegou a afirmar categoricamente que o lançamento não deveria acontecer porque o risco de mal funcionamento do anel de vedação era muito alto. Ele demonstrou a sua posição de uma maneira muito menos contundente: “temperaturas baixas podem estar associadas a mal funcionamento do anel de vedação”. Dessa forma ele tentou satisfazer a sua necessidade de colocar o problema mas o fez de uma forma que o grupo não fosse confrontado. A atmosfera definitivamente não era favorável a posicionamentos assertivos e contundentes em sentido contrário ao que o grupo havia escolhido.

Essência do groupthink

O livro analisa de maneira muito mais aprofundada cada uma das características associadas ao groupthink destacando como cada uma delas implica dificuldades para o processo decisório. Contudo, a idéia nuclear que perpassa todo o texto é de que não apenas a tomada de decisão individual sofre seus viéses.

A decisão em grupo pode ser bastante irracional independente do conhecimento individual de cada um de seus membros sobre o assunto em questão. Isso porque a busca pela coesão pode comprometer a busca por informações e a análise das alternativas disponíveis, processos essenciais para a tomada de decisão.

Ademais, Janis deixa claro que a capacidade de um grupo para tomar decisões adequadamente está condicionada à influência de alguns aspectos de sua dinâmica interna (liderança, características pessoais, cultura, fase de desenvolvimento do grupo, gestão de conflitos, etc.) aliados a algumas condições externas (pressões externas como prazos, hostilidade inter-grupos, etc.)

O conceito de groupthink constitui então uma ressalva ao famoso dito popular segundo o qual “duas cabeças pensam melhor que uma”. Ele nos revela os caminhos escusos que um grupo pode tomar no decorrer do processo decisório, o que, por vezes, faz com que o potencial de seus membros não seja aproveitado.

Ainda, o groupthink ajuda-nos a compreender que o grupo é uma entidade absolutamente diferente da soma de suas partes/membros. Logo, fica-nos claro que o pressuposto de adição de capacidades, implícito em nosso dito popular, nem sempre pode se materializar. Nesse sentido, falar em groupthink é um pouco afastar-se do dito e aproximar-se de Nelson Rodrigues, segundo o qual, toda unanimidade é burra (um tanto radical,mas enfim...).

Groupthink como lentes de análise

Sempre que um conceito se populariza com tamanha intensidade alguns problemas se apresentam. No caso do groupthink, o conceito em si não tem sofrido grandes alterações. A interpretação do mesmo também parece consistente ao longo dos anos. Contudo, as proposições teóricas de Janis são amplamente aceitas independente da quantidade esparsa de pesquisas robustas desenhadas para verificação de sua ocorrência.

O que ocorre amiúde é a aceitação acrítica do conceito. Assume-se que o fenômeno é real tal qual foi definido por Janis. Os estudos geralmente reduzem-se a análises retrospectivas de casos sob a ótica das proposições. Ora, se é verdade que quem procura acha, a “descoberta” de casos de groupthink utilizando essa metodologia não deveria servir de argumento para a ratificação de seu caráter de fenômeno real.

Mesmo nos casos relatados por Janis, há uma série de elementos que podem ser analisados sob outra ótica de maneira igualmente produtiva. Da mesma forma que o evento da Challenger pode ser interpretados em termos de groupthink, poderia também ser discutido à luz das teorias acerca das relações de poder nas organizações, da liderança, da cultura organizacional, ou outro ponto de vista qualquer. Essas abordagens certamente atentarão para elementos importantes do processo que não constituem foco de atenção para o pesquisador que apenas procura groupthink.

Na ausência de pesquisas que aprofundam o conceito, verificam a adequação do mesmo em termos de compreensão da realidade grupal, julgo que o melhor a fazer é utilizá-lo da melhor forma possível: encarando-o como um conjunto de proposições que apenas ajudam a traduzir uma realidade extremamente complexa em algo inteligível, realçando alguns elementos em detrimento de outros mas que não esgota a realidade observada.




Achei poucas coisas na net sobre Pensamento de grupo em português. A coluna de Thomaz Wood Jr., cujo link encontra-se abaixo, é excelente.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4044

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Suicídio no Trabalho

Reproduzo aqui um texto que me foi repassado numa lista de discussão sobre Psicologia Organizacional e do Trabalho.

O texto é curto mas serve para refletirmos sobre o impacto do trabalho em nossas vidas, sobre como a organização do trabalho pode ser "psicopatogênica", fonte de sofrimento e total desespero.

Empresa de telefonia vive onda de suicídios na França
Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

A empresa de telefonia francesa France Télécom vive uma onda de suicídios de seus funcionários. Nos últimos 18 meses, 22 empregados da operadora se mataram, seis deles apenas nos últimos dois meses.Nesta quarta-feira, um funcionário de 50 anos se esfaqueou na barriga durante uma reunião de trabalho em Troyes, no noroeste da França.

O empregado, identificado como Lionel, foi informado de que sua vaga havia sido cortada e que ele passaria a realizar uma outra atividade na empresa, o que o funcionário considerou como um rebaixamento do cargo.

Lionel foi transferido de urgência para um hospital e não corre risco de vida. Ele trabalha há 30 anos na France Télécom.

Mudança

Segundo sindicalistas, Lionel fazia manutenção dos serviços telefônicos em empresas clientes da operadora. Ele soube, durante a reunião, que passaria a fazer consertos em residências de assinantes.Também segundo os sindicatos, ele havia sido informado de que "as vagas disponíveis existiam apenas a centenas de quilômetros da área onde ele trabalha".

A direção da France Télécom informou que o empregado "trabalhava no setor de intervenção n as empresas, cujo volume de atividade diminuiu".

Segundo a operadora de telefonia, "a transferência do funcionário prevê que ele trabalhe na mesma cidade, na mesma atividade (de manutenção), no mesmo local".

Estresse

Os sindicatos acusam a direção da France Télécom de não levar em conta a grande preocupação dos trabalhadores provocada pelo atual processo de reestruturação da companhia.
A direção da empresa, em Paris, vai se reunir na quinta-feira com representantes dos trabalhadores e deverá anunciar medidas para prevenir o estresse no trabalho.
Os sindicatos anunciaram, também na quinta-feira, uma jornada de mobilização, com pré-aviso de greve, para protestar contra os suicídios.

Os sindicatos denunciam uma "deterioração das condições de trabalho" na France Télécom, causada pela eliminação de postos de trabalho, reestrut urações, transferências obrigatórias de trabalhadores para outras localidades sem possibilidade de recorrer da decisão, além de pressões cada vez maiores para aumentar a rentabilidade da companhia.

``Direção do terror''

Um funcionário da empresa, que se suicidou no dia 14 de julho, em Marselha, no sul da França, havia justificado sua decisão em uma carta, alegando graves problemas no trabalho.

"Eu me suicido por causa do meu trabalho na France Télécom. É a única razão. A desorganização total da empresa me deixou totalmente perturbado. Eu me tornei um destroço. É melhor acabar com tudo", dizia o empregado na carta. Ele também denunciou no texto a sobrecarga de trabalho e a "direção de terror" da empresa.

Vários suicídios também já ocorreram, entre 2006 e 2007, nas montadoras Renault e Peugeot, quando os empregados se suicidaram no próprio local de trabalho.

A France Télécom, privatizada em 2004, emprega cerca de 187 mil pessoas no mundo.

domingo, 6 de setembro de 2009

Maslow

A teoria de Abraham Maslow acerca da motivação humana é, talvez, a mais conhecida entre psicólogos e profissionais de outras áreas do conhecimento. Como ficou conhecida, a Teoria da Hierarquia das Necessidades ganhou considerável notoriedade e é presença quase certa em praticamente todos os manuais que tenham a motivação como tema integrante. Enfim, praticamente todo mundo lembra da tal “pirâmide de necessidades”.

Como afirma em seu texto de intitulado “A Theory of Human Motivation”, Maslow esteve interessado em identificar necessidades básicas, comuns a todos os indivíduos. A partir de sua prática clínica, ele chegou formulou a proposição de que o comportamento humano – ou pelo menos boa parte deste – poderia ser explicado por cinco categorias de necessidades básicas. Estas necessidades estão organizadas numa hierarquia (hierarchy of pre-potency). A representação dessa hierarquia escolhida por muitos é a tal pirâmide.


Maslow definiu as necessidades fisiológicas como aquelas em primeiro lugar na hierarquia. Estas estão relacionadas com o mais básico para a sobrevivência do ser humano e inclui as necessidades de alimentação, sono, sexo, etc. Isso significa dizer que se todas as necessidades básicas estão insatisfeitas, todas as capacidades (inteligência, memória, etc.) do sujeito serão direcionadas para a satisfação das necessidades fisiológicas.

Na sequência, a segunda categoria é denominada de necessidades de segurança. As necessidades de proteção, estabilidade, segurança, etc estão incluídas aí. Maslow denominou a terceira categoria em sua hierarquia como necessidades de amor. Contudo, estas passaram, posteriormente, a ser chamadas necessidades socias, as quais incluem amor, amizade, pertença, afiliação e relações afetivas com outras pessoas em geral.

As necessidades de estima constituem o quarto nível hierárquico proposto por Maslow e incluem o respeito por si mesmo, auto-estima, prestígio, status. Com base nessas necessidades o indivíduo pode procurar exercer uma série de comportamentos em busca de reconhecimento, atenção, apreciação, ou, na sua vertente ma interna, liberdade, independência, competência.

O quinto e último nível hierárquico é chamado de auto-realização. Esta categoria de necessidades refere-se ao desenvolvimento e crescimento pessoal, ou seja, a necessidade que os indivíduos têm de realizar suas potencialidades e de transformarem-se naquilo para que têm capacidade.

Apesar da noção de uma sequência estar implícita em sua teoria, Maslow reconhece que as necessidades interagem entre si e podem agir simultaneamente na energização de acções. Portanto, não temos aqui uma idéia de tudo ou nada, em que uma determinada categoria de necessidades apenas passa a influenciar o comportamento de um indivíduo quando este conseguir satisfazer a necessidades de uma categoria superior em termos de importância na hierarquia. Essa infelizmente tem sido a interpretação dada à teoria na maioria dos manuais.

Maslow assume que, à medida em que determinadas necessidades são satisfeitas, acontece que a capacidade destas para influenciar o comportamento diminuem mas não necessariamente desaparece. Portanto, um indivíduo pode ter as suas necessidades de estima insatisfeitas, mas buscar determinados comportamentos designados para satisfazer as suas necessidades de auto-realização. Ademais, Maslow reconheceu desde sempre que as motivações – termo que usa para referir-se às ditas necessidades – constituem apenas uma classe de determinantes do comportamento e estão ao lado dos factores biológicos, culturais e situacionais. Este é um dos detalhes importantes que, por vezes têm escapado aos olhos dos críticos desta teoria.

Como consequência de sua própria popularidade, a teoria da Hierarquia das Necessidades tem sido alvo de interpretações pouco precisas dos postulados de seu autor e de uma insistente simplicação de suas idéias originais. Particularmente creio que muitas das críticas à teoria têm como base uma interpretação errônea das principais proposições. Se há alguma crítica realmente difícil de rebater é o forte viés cultural de sua teoria. Sua análise das necessidades reflete fortemente o cenário cultural norte-americano. E quando se fala em identificar necessidades básicas dos seres humanos, faz-se necessária uma análise muito mais abrangente que parte da população de um país.